terça-feira, 23 de setembro de 2014

A Cultura na luta política

Por António Marques Bessa

Depois do teórico marxista António Gramsci ter revolucionado a teoria do assalto ao Estado, com a abertura de uma nova frente na Cultura, esta deixou de ser um modo de vida, um enfeite de burgueses, um produto de consumo, para se transformar num campo de batalha, um instrumento ao serviço da Revolução Marxista. Ao atacar num ponto inesperado da sociedade global, o aparelho marxista ocupa uma zona sem significado em termos militares, mas decisiva em termos antropológicos e sociológicos. Na verdade, é na Cultura que enraíza a estrutura dos valores, o carácter nacional, os gostos e as tendências, o modo de conceber o mundo e a vida. É uma herança cumulativa, como a caracterizou Lorenz, formada por todo o equipamento material e espiritual que a sociedade possui, e com o qual responde aos desafios internos (crises) e externos (naturais e sociais). A Cultura é, por conseguinte, aquilo que de mais precioso tem um Povo ou uma Etnia. É, por um lado, o traço que o distingue dos outros povos, com costumes e mundividências distintas, e, por outro, a característica do processo de hominização. Embora os animais tenham tradições, inventem técnicas e comuniquem processos por mecanismos de difusão social, não possuem uma tradição cumulativa, quer dizer, as invenções e os conhecimentos não se conservam porque não há possibilidade de os acumular.

Ora, o que Gramsci faz é inovar no leninismo, ao introduzir a possibilidade de controlar o Estado a partir da Cultura. No reducionismo marxista, cultura é uma superstrutura gerada pela infra estrutura económica. As relações de produção, de exploração, isto é, o sistema económico, determinam um supersistema de justificação, que está ao serviço do explorador e serve para dominar intelectualmente o explorado. A esse sistema, integrado pela religião, educação, arte, meios de comunicação, etc., chamam os marxistas Cultura.

Na tradição leninista derrubava se o Estado a partir da Economia, e assim se punha fim à Cultura, que não passava de um gigantesco sistema de justificação ideológica. Com Gramsci altera se o esquema revolucionário. Para ele é fundamental dominar primeiro a Cultura "burguesa" e substituí-la progressivamente por uma "cultura proletária". As transformações e substituições operadas, assim, na "cultura burguesa", irão influenciar a infra estrutura económica, as relações de produção, o sistema social, mudando a mentalidade dos cidadãos. Só depois desta operação é que se deve conquistar politicamente o Estado, visto que este se encontra desarmado. A resistência, sempre baseada nas estruturas culturais de valores, nos conceitos internos da Cultura, sem esse suporte, nem sequer poderia existir. Daqui que o caminho para o poder nos Estados burgueses, desde há muito, seja este: assalto à Cultura, abastardamento de todas as características positivas do carácter e imagem nacionais, substituição de padrões nacionais por elementos culturais importados, enfraquecimento e eliminação da resistência dos intelectuais patriotas e, finalmente, domínio das principais alavancas da Cultura: meios de comunicação, universidades, institutos e instituições, editoras, escolas, arte, etc.

PORTUGAL – UMA CULTURA IGNORADA

A tarefa de conquista da "cultura burguesa" é cometida por Gramsci aos "intelectuais orgânicos". Materialistas que, cumprindo os objectivos estratégicos do partido comunista, paulatinamente conquistam posições no «establishment» cultural, e programam a substituição da cultura burguesa pela nunca demasiado falada "cultura proletária".

Em Portugal esta estratégia teve uma aplicação exemplar. Iniciada em tempos de Salazar teve os seus frutos maduros ainda antes de Abril de 1974. A Direita portuguesa, bem se queixava da "ditadura intelectual da esquerda", mas infelizmente ignorava a concepção geral da manobra e não possuía capacidade para responder a um ataque concertado num domínio que não entendia.

Com a notável excepção de uns quantos antropólogos portugueses (Jorge Dias – vergonhosamente silenciado –, António Carreira), filósofos (Álvaro Ribeiro, José Marinho, Pinharanda Gomes e Orlando Vitorino) e historiadores, que conformaram uma linha de resposta ao desmantelamento cultural português, respondendo no campo da Cultura ao assalto na Cultura, ninguém mais se opôs correctamente a essa máfia de "intelectuais orgânicos", autênticas prostitutas, adoradoras de tiranos, como lhes chama Jean Cau. A Cultura portuguesa morria nos seus elementos característicos e só um aviso aqui e ali alertava para o perigo.

Com o 25 de Abril, que completa o domínio marxista do Estado, os intelectuais orgânicos transferem se da Cultura para a Administração. Com o seu trabalho bem programado, o Povo envergonhava se de tudo quanto é marcadamente seu: a sua história, os seus heróis, os seus poetas, e passa a admirar e a aderir a valores que não são seus, a elementos culturais abastardados, que lhe vêm de Moscovo, de Washington, com a marca da novidade, da "libertação" e do progresso.

A Cultura foi um campo de luta e o Povo perdeu. O escol que a devia defender, como património material e espiritual da comunidade, não o soube fazer: foi derrotado.

QUE FAZER?

Ao domínio da Cultura, entendida como "cultura burguesa" por ignorância e reducionismo, há que responder com um ataque no campo da Cultura, entendida em toda a sua amplitude.

Para isso há que concentrar esforços, criar uma corrente de pensamento, iniciar o desbloqueamento interno, denunciando o trabalho dos "intelectuais orgânicos" e a sua sistemática prostituição. Assim, é urgente avançar com o planeamento do Instituto Padre António Vieira, como centro de investigação para a Cultura Portuguesa, bem como centro de difusão e educação. Aí se devem integrar os intelectuais ainda vivos e interessados em desbloquear e revigorar a cultura nacional. A metodologia pode variar (seminários, palestras, cursos, aulas, grupos de trabalho), mas o que deve estar presente no espírito de todos é que o assalto à cultura não se detém com balas de G3.

Além do Instituto, é indispensável uma associação político cultural, que utilize os resultados da investigação e difunda uma prática necessária e desalienante. Uma revista de estudos e uma editora são dois instrumentos necessários, que se podem inserir quer no instituto, quer na Associação.

Para lá disso, devia constituir objectivo a largo prazo a organização de uma Universidade Livre, primeiro com os professores disponíveis funcionando experimentalmente em regime de cursos supletivos, e depois abarcando as disciplinas sociais. Garantir se ia deste modo um alto nível didáctico num país que não o possui e, fundamentalmente, tinha se a possibilidade de preparar as bases de um autêntico combate pela Cultura Portuguesa.

No ano zero do nosso país, o mais importante é, além de poder comer, poder pensar. E para isso é indispensável libertar a Cultura dos bloqueamentos e implantações que a abastardam. Aí, bem como na Economia (uma parte da Cultura), está a grande aventura dos patriotas: voltar a entregar Portugal aos portugueses.

Primeiros rumores de fascismo em Portugal

Por Barradas de Oliveira

Que é o fascismo? A pergunta impõe-se com actualidade flagrante em face da anunciada lei contra as organizações fascistas. Para se definir tal espécie de organizações, é necessário fixar previamente em lei o que é o fascismo e quais as organizações que por tal ideia se classificam. Não é de crer que a lei vá fixar de fascismo o conceito expresso em 1974 pelo Prof. Pereira de Moura, segundo o qual o fascismo correspondia à desorganização, ao desrespeito dos cidadãos uns pelos outros, ao que no Brasil se condensa expressivamente no termo bagunçada. Tal aspecto corresponde mais caracteristicamente, segundo a experiência histórica, aos períodos de decomposição demagógica, que impõem uma solução de autoridade, cesarista ou não, e esta sim, mais próxima do que foi o fascismo na evolução social do século XX.

Também há outra definição: a dos comunistas, que chamam fascistas a todos os sistemas e governos que lhes são contrários, desde o nacional-socialismo do III Reich alemão e o fascismo italiano – a partir do momento em que estes deixaram de ser seus aliados contra as democracias ocidentais e a propaganda moscovita deixou de os enquadrar, como fazia até aí, nos estados de trabalhadores – até o capitalismo democrático e o socialismo reformista. Havia aqui, nítida, a intenção de denegrir a única força com valor revolucionário junto da mocidade e das massas, e portanto o único concorrente perigoso. A dificuldade estava só em baralhar tudo na confusão detestável, gritando repetidamente as mesmas acusações conforme a técnica da lavagem de cérebros colectiva.

É claro que o processo tem os seus aspectos negativos e um deles consiste em estender o apodo condenatório ao próprio partido comunista. Foram, salvo erro, os marxistas chineses quem primeiro chamou social-fascismo ao comunismo centrado na Rússia.

Para além desses aspectos polémicos, porém, há uma realidade histórica e cultural, surgida na Itália no primeiro quartel deste século e criadora de um determinado sistema de acção, ao qual corresponde, para além do restrito campo da política, um estilo de vida. Será esse fascismo que o legislador há-de definir com a maior precisão, para não cairmos na asserção estúpida, cómoda e perversa: - fascismo é tudo que for contra nós.

Um dos primeiros trabalhos a apreciar em Portugal sobre o fascismo foi um ensaio do diplomata Valentim da Silva, que tivera ao que se nos afigura, oportunidade de conhecer in loco o aparecimento do movimento italiano. É um trabalho objectivo, sereno, documentado, de um liberal que se atém à desapaixonada observação dos factos. Foi publicado no Instituto de Coimbra.

Descreve o ensaísta a situação política da Itália desde o princípio do século até às vésperas da I Grande Guerra:

“Num ambiente de artificioso parlamentarismo, sem correntes de definidos princípios, vivendo na subserviência das clientelas, os partidos constitucionais, logo no começo do século XX, entravam num período de decomposição.”

Alastrou a seguir, no meio da partidocracia em putrefacção, o fermento da demagogia socialista, a tentar impedir primeiro a participação do país na guerra e, depois, a reclamar contra o desprezo a que ele fora relegado pelos aliados nas conversações da paz. E ao mesmo tempo, como lhe está na tentação, a expulsar os patrões das fábricas, com as naturais consequências:

“Estavam de facto os operários senhores dos instrumentos de produção, objectivando assim o dogma marxista. O colectivismo revolucionário dava o seu primeiro passo, mas que de proveitoso daí resultava? Passadas semanas, essas fábricas não laboravam, porque o operário, entregue a si mesmo, ficava sem força dirigente que lhe disciplinasse o esforço; não laboravam porque não tinham matérias-primas que as alimentassem; não laboravam porque lhes faltava o capital que as impulsionasse; não laboravam e por isso nada produziam, tornando-se não fontes de rendimento, mas valores inúteis sem significado económico. Eis o desmanchar da utopia que o próprio Lenine confessava nos últimos dias da sua vida, escrevendo no jornal Krasnaia Nov: «um proletariado não pode desenvolver-se sem auxílio do capital, e este antes de ser um inimigo é um aliado necessário; um estado inevitável. Basta de ilusões; é ridículo fechar os olhos à verdade».”

Nesse ambiente se enquadram as violências próprias da hora das desordens, com especial relevância em Bolonha e em Ferrara, “onde se mata e saqueia em nome do comunismo triunfante! Em Turim, as agressões a oficiais que vieram da guerra são constantes: o ministro da Guerra ordena aos oficiais que se defendam à mão armada. Numa província do norte há todos os dias incêndios, lançados pelos socialistas, cujos prejuízos são avaliados em 11 milhões de liras. Em 1920 chegam a estar em greve 1045733 trabalhadores rurais e 1267935 operários, isto é, quase dois milhões e meio de homens em agitação.”

Os ataques pessoais completavam o quadro até nos meios rurais, que Pietro Gorgoloni descreve assim:

“O camponês que não obedecesse imediatamente às ordens do comité revolucionário era punido. Matavam-se-lhe os animais; incendiavam-se-lhe as searas; insultava-se-lhe a mulher; maltratavam-se-lhe os filhos. Se quisesse recorrer à farmácia ou ao médico, não o podia fazer, mesmo em casos graves. Do inquérito feito verificou-se que proprietários houve que, para não serem perseguidos, tiveram de pagar milhares de liras. Cita-se mesmo o caso dum camponês de Cavarzero que teve de pagar uma pesada multa por ter obstado a que uma sua irmã se deixasse cortejar por um chefe dum sindicato socialista.”

Foi esta sociedade de euforia socialista subsequente à decomposição partidocrática que deu origem à reacção fascista, a qual surgiu, impetuosa e ardente, por toda a Itália. Não ainda como partido político, formado à luz de uma doutrina, orientado por um plano definido. Era antes uma reacção instintiva, digamos biológica, dum organismo nacional ameaçado de desintegração e morte. Certo o fascismo havia de procurar depois uma sistematização ideológica, em que se integraram orgulhos do velho nacionalismo oitocentista, ânsias de reforma social e necessidade de ordem, de disciplina, de autoridade. Mas antes disso, quando em Março de 1919 surge o primeiro “Fascio di combattimento”, pergunta Valentim da Silva:

“Qual o seu objectivo? A que fins visava? Trazia já ideias políticas no seu programa? Não. Apenas afirmações patrióticas sem preocupações doutrinárias. O «Fascio di combattimento» surgia como um produto gerado na instintiva defesa individual contra os ódios, as violências, as perseguições que, dia a dia, nos campos, nas comunas e nas cidades o comunismo ateava.”

Poderia em face destes sucessos apresentar-se a hipótese de ser o fascismo a planta que brota naturalmente da esterqueira em que se decompõem as partidocracias e a incapacidade socialista. Haveria depois que verificar se fora assim apenas na Itália ou se não viera a suceder o mesmo noutras nações. Agora, porém, estamos apenas no caso italiano.

Reacção nacional, contra a desordem dos partidos e a demagogia revolucionária, o Fascismo, ao condensar-se em sistema doutrinário, haveria de assentar em primeiro lugar no Nacionalismo, que defende o primado do interesse nacional; depois na ordem dos valores reais da sociedade (e não na ordem dos valores meramente abstractos); finalmente, na projecção revolucionária através de estruturas disciplinadas. Como quer que seja, primeiro as realidades, depois a doutrina.

Foi certamente mais pelos resultados práticos na vida italiana do que pela sua contextura doutrinaria que a governação fascista italiana chegou a ser apontada em Portugal por um dos mais inteligentes e dos mais combativos políticos da I República, o engenheiro Cunha Leal, senão como exemplo a copiar, pelo menos como lição a estudar. Foi ele que afirmou num discurso em Braga, na tarde de 26 de Abril de 1926, depois de amargas considerações sobre o caos da política portuguesa de então: - “Mas a Itália sofreu piores e mais fundas convulsões a que só agora Mussolini está começando a pôr termo.” Haviam já passado quatro anos após a marcha sobre Roma e estávamos a um mês do levantamento do 28 de Maio, naquela mesma cidade de Braga…

Por hoje ficaremos nas causas determinantes do fascismo. Veremos depois como ele passou do ciclo da necessidade para o ciclo da identidade.

A essência do fascismo (excertos)

Por Giorgio Locchi (traduzido por Rodrigo Nunes)

«O recente reflorescer dos estudos históricos sobre o “fenómeno fascista” não comportou até agora nenhum progresso digno de registo e inclusivamente têm contribuído para obscurecer o problema, comprometendo o que de válido, e era muito, se havia conseguido nos finais dos anos 50. A razão não é difícil de encontrar: não se trata de um interesse histórico mas de um interesse político e partidarista o que motiva a maior parte dos estudiosos, intérpretes em Itália das angústias e preocupações de um sistema em crise. A paixão política e as preocupações de ordem moral têm toldado (quase sempre) nos estudiosos do sistema fascista o espírito de observação, paralisando as suas faculdades de dedução tornando o objecto de estudo mais confuso que esclarecido. Agora, também a História, na medida em que deseje ser ciência, deve procurar proceder “sine ira et studio” como pretendia Spinoza, admitir que só pode ser ciência se for “wertfrei”, isto é, isenta de preconceitos de valor. O “fenómeno fascista” faz parte do passado e, como tal, pode ser objecto de estudos históricos, o mesmo é dizer: desapaixonados. Sem dúvida o “fenómeno fascista” prolonga-se de alguma maneira no presente (como ocorre com o resto do passado histórico) e enquanto tal suscita uma tomada de posição política, mas essa atitude deve ter lugar fora do estudo, já que de outra maneira se arrisca a basear-se na ignorância existente, mais ou menos ampla, sobre o “objecto” real.

A verdade é que hoje, trinta e cinco anos depois da queda dos regimes fascistas, por factores externos, o “fenómeno fascista” está presente sobretudo como um fantasma dos seus adversários, e isto a tal ponto que o estudioso actual está, mais que nunca, exposto ao perigo de dirigir a sua atenção sobre o “objecto” puramente fantasmagórico.

No período pré-bélico, bélico e nos pós guerra imediato, a presença do “fenómeno fascista” situava-se plenamente na realidade objectiva e os investigadores tinham menos possibilidade de incorrer em falta na hora de determinar a natureza do objecto sujeito a estudo. Ainda quando sucedia deformarem as suas conclusões quase sempre se tinha a impressão que, na realidade, haviam reconhecido, mais ou menos, a verdade, inclusive se às vezes se tivessem esforçado por distorcer ou até ocultá-la, por medo (político) de que a verdade pudesse fascinar mais do que provocar repúdio.»

(…)

«Nas últimas três décadas sucedeu que para a falsificação do discurso sobre a natureza do “fenómeno fascista” têm contribuído fortemente inclusive aqueles que, por tradição ou por instinto, haviam estado ainda dispostos a reconhecer-se como fascistas. Isto é perfeitamente compreensível, por outro lado, já que a partir de 1945 se o fascismo tenta desenvolver uma acção política vê-se constrangido a realizá-la debaixo de uma falsa bandeira e deve, ao menos publicamente, renegar aspectos fundamentais do discurso fascista, ao menos verbalmente, sacrificando-os ante os princípios de uma ideologia democrática, como de maneira idêntica, debaixo do império romano, os cristãos deviam oferecer sacrifícios ao César enquanto divindade. Inevitavelmente, esta atitude forçada do fascista-político teve o seu reflexo sobre a actividade do estudioso do fascismo que analisa a sua história, sempre por causa da deplorável incapacidade em distinguir entre estudo histórico e actividade política. Adicionalmente, a catástrofe da “guerra perdida” acentuou a polémica entre as distintas expressões nacionais do fascismo e – no interior dos diferentes fascismos nacionais – entre as várias correntes fascistas, cada uma delas reclamando-se como manifestação de um fascismo “bom”, prudentemente rebaptizado com outro nome e, à vez, atirando sobre outras a responsabilidade de um “mal”, geralmente identificado com formas do “fenómeno fascista” que haviam detido o poder e atraído sobre si a condenação universal…

A actual proliferação de obras que apenas aumentam a confusão e multiplicam a ignorância a propósito do “fenómeno fascista” torna, mais que nunca, necessário voltar a remeter-se àqueles estudos que foram realmente sérios, já que souberam ver e discernir o seu objecto, inclusive se, quem sabe, o fizeram de uma perspectiva que hoje consideramos desactualizada. No que concerne a obras válidas devidas a estudiosos que politicamente se situam no campo adversário, é preciso assinalar que são devidas geralmente a autores israelitas, muito interessados em compreender realmente o fascismo, para melhor combatê-lo. Citaremos como exemplos típicos o ensaio «Dos Românticos a Hitler» de Paul Viereck; o estudo fundamental de Georgy Lukacs «A Destruição da Razão» do qual existe um compendio intitulado «De Nietzsche a Hitler»; e também – sobretudo porque acumula uma rica documentação paralela – o «Hitler e Nietzsche» de Sandvoss. Lukacs e Viereck tiveram o grande mérito de ressaltar a origem primária, a «matriz» do “fenómeno fascista”, reencontrada em todo um importante filão da cultura alemã e europeia, se bem que, depois, obedecendo a evidentes fins propagandísticos, tenham introduzido no seu discurso o «leitmotiv» de uma espécie de ruptura qualitativa ente as origens culturais e filosóficas (das quais era difícil não reconhecer a importância e nobreza) e as manifestações políticas herdadas no século XX, caracterizada, segundo eles, pela falta de cultura, a barbárie intelectual e – em última analise – por uma vulgarização do pensamento dos «mestres», Friedrich Nietzsche e Richard Wagner em particular.

No pós-guerra está quase totalmente ausente uma reflexão histórica válida sobre o “fenómeno fascista” por força das coisas, isto é dizer, pela simples razão que já foi citada: quedou-se condenada à ilegalidade ou pelo menos à intolerância radical toda a manifestação de carácter genuinamente fascista. Mas já que a definição legal de fascismo apenas abarca, e mal, as formas particulares e conjunturais em que se encarnou entre 1922 e 1945 nos regimes onde teve o poder e ignora todas as outras manifestações (que existiram no mesmo marco cronológico mas que não ficaram comprometidas pelo exercício do poder) assim como – necessariamente – ignora todo o vasto campo cultural, filosófico, artístico que é a matriz do fascismo, criou-se uma certa margem de liberdade para aqueles autores que, embora só por razões tácticas, se reclamam seguidores das formas não incriminadas (por desconhecidas) do fascismo. Largamente determinadas por estas constrições externas, a obra destes autores, ainda que para leitores que se supõem à partida cúmplices, resulta dificilmente decifrável. Ainda mais ao restringirem a definição de fascismo falsificam o seu objecto arbitrariamente, reduzindo-o apenas a uma pequena parte do todo – incapaz de existir por si só – contribuindo para a confusão generalizada. É este o caso, em parte, dos trabalhos históricos de Julius Evola, quando se tomam como tal, já que na realidade os referidos trabalhos são fundamentalmente filosóficos ou políticos, expressão do ponto de vista de uma corrente singular, amplamente representada também entre os «volkische» da Alemanha austro-bávara com uma marcada tendência para o esoterismo e para reduzir a si mesma a definição do fascismo “válido”.»

(…)

«Entre os estudiosos que se reconheceram como fascistas ou pretensamente neutrais citaremos aqui, pela rara valia das suas teorias, sobretudo Adriano Romualdi, cuja obra é, sem embargo, fragmentária e incompleta, entre outras razões pela sua morte, ainda em plena juventude, mas que tem o mérito de ser quase a única em Itália a ter sabido abraçar a totalidade do objecto, havendo reconhecido perfeitamente a matriz do “fenómeno fascista” no discurso de Nietzsche e, por fim, de ter posto em relevo a lógica conclusão indo-europeia que, como veremos, é a típica “volta-às-origens-projecto-de-futuro” de todos os movimentos fascistas e ter compreendido assim que para o fascista a nação acaba por ser reencontrada, mais que no presente, num distante e mítico passado e perseguida depois no futuro, «Land der Kinder» (Nietzsche), terra dos filhos mais que terra dos pais (pátria, Vaterland).

Fundamental é também, mas de um ponto de vista totalmente distinto, a obra de Armin Möhler «Die Konservative Revolution in Deutschland, 1918-1933». Möhler centra a sua atenção sobre todas as formas não directamente comprometidas do fascismo alemão e põe rigorosamente entre parênteses o nacional-socialismo, limitando-se a dizer laconicamente que a Revolução Conservadora é para o nacional-socialismo aquilo que o trotskismo é para o leninismo. De facto, não faz senão pôr a «Weltbild» como manifesto comum a todos os movimentos fascistas (na acepção genérica do termo) que prosperavam na Alemanha, precisando admiravelmente como no seu seio se estruturavam toda uma série de «Leitbilder» que, ao serem acentuadas de uma maneira ou outra, tinham como consequência as diferentes formas ou correntes do fascismo alemão, isto é, da Revolução Conservadora, nacional-socialismo incluído (ainda que este se encontre explicitamente ausente no discurso de Möhler). «Weltbild» e «Leitbild» traduzem-se literalmente como «imagem do mundo» e «imagem guia» ou «imagem condutora»; mas na realidade convém falar, para uma melhor compreensão de «mito» e «mitificação».

Curiosamente a obra de Möhler encontrou um indispensável complemento na de um marxista francês que aplica os métodos da linguística estrutural à parisiense, Jean Pierre Faye, cujo documentadíssimo livro dedicado às linguagens totalitárias (o que para ele é equivalente a fascista) colmata as lacunas do livro de Möhler, inserindo o nacional-socialismo alemão e o fascismo italiano numa bem desenhada “topografia” da Revolução Conservadora e colocando o primeiro no “centro sintético” do campo conservador-revolucionário alemão. Faye, sem embargo, considera tão-somente o “discurso político” imediato dos movimentos fascistas de então, com as suas referências a problemas contingentes esquecendo a “visão do mundo” e portanto os “pontos de referência” intelectuais.

Somente aprofundando todos os estudos que temos citado (junto com outros do mesmo tipo) se pode chegar a alcançar uma real compreensão do “fenómeno fascista”. Não se compreende nada do fascismo se não se tem em conta, ou não se quer admitir, que o chamado “fenómeno fascista” não é outra coisa que a primeira manifestação política de um vasto fenómeno espiritual e cultural a que chamaremos «superhumanismo», cujas raízes estão na segunda metade do século XIX. Este vasto fenómeno configura-se como uma espécie de campo magnético em expansão, cujos pólos são Richard Wagner e Friedrich Nietzsche. A obra artística de Wagner e a obra poética/filosófica de Nietzsche exerceram uma enorme e profunda influência no ambiente cultural europeu de fim de século e na primeira metade do século XX, tanto no sentido negativo (causando repúdio) como no sentido positivo: inspirando seguidores (filosóficos e artísticos) e desencadeando acções (espirituais, religiosas e também políticas). A obra destes autores é, de facto, eminentemente agitadora; a sua importância está muitíssimo mais no “princípio” novo que introduzem a nível europeu que na sua própria expressão e nas primeiras aplicações que destes princípios se realizaram.»

(…)

«Por “princípio” entendo aqui o sentimento de si mesmo e do homem, que, quando se refere a si mesmo, se auto-afirma, é um “Verbo” (Logos); quando persegue um fim é “vontade” (pessoal e comunitária) e é também, imediatamente depois de sentimento, um sistema de valores.

O que através da obra de Wagner e Nietzsche entra em circulação e se difunde, com maior ou menor força, é, sobretudo, o “princípio” ainda que este seja imperfeitamente captado ou receba, por causa da sua novidade, interpretações e aplicações inapropriadas. Pelas vias mais estranhas, às vezes subterrâneas, este princípio foi transmitido e recebido e é só meio século depois do seu nascimento, quando começa a obter uma certa difusão social, quando começa a ser aceite e feito próprio por grupos sociais inteiros de homens que nele se reconhecem, às vezes sem saber inclusive quem pôs em circulação o novo “princípio”; assim se criaram os primeiros movimentos fascistas.

Entre “superhumanismo” e fascismo, mais que a relação eminentemente intelectual que para os marxistas existe entre teoria e prática, o que existe numa relação genética espiritual, uma adesão às vezes inconsciente do segundo ao “princípio superhumanista”, com as acções políticas que dele emanam. Quem sabe por isto se pôde dizer, ainda que a expressão não seja muito afortunada, que «o fascismo é acção à qual é imanente um pensamento», e se falou também da “mística fascista” e do carácter quase “religioso” do fascismo.

O princípio “superhumanista”, respeito do mundo que o circunda, torna-se o inimigo absoluto de um oposto “princípio igualitarista” que é o que caracteriza este mundo. Se os movimentos fascistas individualizaram o “inimigo” (espiritual antes que político) nas ideologias democráticas – liberalismo, parlamentarismo, socialismo, comunismo e anarquismo – é justamente porque, na perspectiva histórica instituída pelo “princípio superhumanista” estas ideologias configuram-se como outras tantas manifestações, aparecidas sucessivamente mas ainda todas presentes, do oposto princípio igualitarista; todas têm um mesmo fim com um grau diferente de consciência e todas elas causam a decadência espiritual e material da Europa, a “baixeza progressiva” do homem europeu, a desagregação das sociedades ocidentais.

Por outro lado, se podemos afirmar que todos os movimentos fascistas têm um determinante instinto “superhumanista” está também claro que tiveram um nível de consciência do mesmo variável; e é precisamente este distinto grau de consciência que se reflecte na gradual variedade dos movimentos fascistas e nas suas respectivas atitudes políticas. Não é de estranhar pois que se todos combatem as formas políticas do igualitarismo, às vezes não se definam contra as suas formas culturais ou se o fazem, fazem-no em menor grau e, depois, como sempre ocorre, entre o campo fascista e o igualitarista cria-se um campo intermédio, oscilante, com formas espúrias.»

PS: Note-se que sempre que aqui se fala de “superhumanismo” é para ser entendido no sentido “nietzschiano” do termo.

domingo, 21 de setembro de 2014

A verdade sobre a falsa direita

Por Alain de Benoist (traduzido por Rodrigo Nunes)

Por ocasião do centenário do caso Dreyfus, Jacques Chirac enviou aos descendentes de Emile Zola e Alfred Dreyfus uma carta na qual, lembrando aquele “colossal erro judicial e vergonhoso comprometimento do Estado”, afirmou que Emile Zola “na senda de Voltaire”, encarnaria “o melhor da tradição intelectual”. Obviamente poder-se-ia ironizar sobre a escolha dos autores de quem o presidente francês invocou os nomes. No fim de contas, ambos expressaram ao seu tempo opiniões que hoje se enquadrariam na lei Gayssot sobre o “incitamento ao ódio racial”. Em 1764 Voltaire escrevia no «Dicionário filosófico» que “os judeus são apenas um povo ignorante e bárbaro que há muito une a mais repugnante avareza e a mais abominável superstição a um ódio indistinto por todos os povos que os toleram e graças aos quais enriquecem”. Quanto a Zola, de «L’argent» à série de «Rougon Macquart», não existe um único estereótipo anti-semita que não tenha feito seu. Mas é claro que não é a estes aspectos que Chirac pretendia aludir. Longe de ser anedótica, a sua afirmação é no entanto reveladora. Qualquer homem de esquerda, de Lionel Jospin a Alain Krivine, de Robert Hue a Jack Lang, subscreveria voluntariamente a ideia de que Voltaire e Zola encarnariam o “melhor da tradição intelectual” francesa. Poucos homens de direita, no entanto, seriam levados a comungar desta opinião, mesmo porque sabem bem que Voltaire e Zola passam hoje por grandes antecessores da intelligenza de esquerda e que os intelectuais de direita dispõem geralmente de outras referências. Na circunstância, Chirac falou, portanto, como homem de esquerda. Como é isto possível? É-o simplesmente porque, no campo da cultura e das ideias, a direita da qual ele se declara diz regularmente as mesmas coisas que a esquerda. E di-las porque é historicamente saída da mesma matriz filosófica da esquerda, obra da filosofia das Luzes, que no período de dois séculos criou em sequência o liberalismo, o socialismo e o marxismo. É certo que partindo de uma herança comum uma “esquerda” e uma “direita” se foram progressivamente diferenciando. Mas é sobretudo no âmbito económico e social que as suas diferenças se afirmaram, porém muito mais pela escolha dos meios que pela determinação dos objectivos. No campo cultural e intelectual falam quase em uníssono. Demonstrou-o mais uma vez, a seu modo, a recente polémica sobre o «Livro Negro do Comunismo»: se tantos comentadores se empenham hoje em distinguir a “bondosa” inspiração do comunismo dos seus sanguinários êxitos é porque aquela inspiração não se diferencia fundamentalmente das suas. Declarando-a “boa” não nos demonstram a sua justeza. Limitam-se a confirmar poderem-se reconhecer nas ideias que o sustiveram.

“O problema permanente da direita e a fonte do seu mal-estar actual” escreveu Jacques Juliard, “reside no facto de que os seus valores de referência continuam a pertencer originariamente ao outro campo”. Ernst Jünger já o havia observado em 1945: “tem sido a esquerda a submeter a si a direita há mais de cento e cinquenta anos, não o inverso.” É absolutamente exacto, e é na lógica das coisas, a partir do momento em que aquela direita nasceu à esquerda. Tendo nascido à esquerda, com a ideologia dos direitos do homem da qual essa se reclama, não pode alimentar-se, sem mal-estar, nem da sua identidade nem do seu passado. E tendo nascido à esquerda sofre de um défice permanente de legitimidade. Tendo nascido à esquerda não pode fazer mais que colocar-se ao centro, um centro no qual, por sua vez, a esquerda, recuperada das esperanças revolucionárias e agora convertida ao reformismo social-democrata, se insere cada vez mais, com a consequência dramática de que este grande bloco central rejeita os descontentes impedindo uma verdadeira alternância.

É verdade que os conceitos de direita e esquerda nas mentalidades estão hoje ofuscados. Mas, se se ofuscam, isto acontece precisamente porque os grandes partidos que lhes envergam as cores têm tomado progressivamente consciência da inconsistência daquilo que os separa. Actualmente não há nada de substancial que diferencie os seus valores. As suas escolhas aproximam-se, os seus programas movem-se em direcção ao centro e a opinião prevalecente é que dizem todos mais ou menos a mesma coisa. Ainda ontem pensavam pertencer a famílias diferentes. Hoje percebem que apenas foram inimigos irmãos, que podem ainda polemizar sobre este ou aquele ponto mas fazem espontaneamente – com toda a naturalidade, sentir-se-ia dizer – frente comum para demonizar e rejeitar para o tenebroso extremo qualquer direita que seja uma direita verdadeira, com referências próprias, os seus autores, a sua antropologia, a sua própria sociologia, a sua própria visão do mundo, do homem e da sociedade.

É claro: como sempre existiram várias esquerdas, assim existem várias direitas: uma direita contra-revolucionária e uma direita revolucionária, uma direita republicana e uma direita monárquica, uma direita nacionalista e uma direita federalista, e assim sucessivamente. Mas pelo menos essas têm um ponto em comum: são direitas verdadeiras. A declaração de Jacques Chirac vale como sintoma, já que permite perceber a que direita ele pertence. Chirac pertence àquela direita que reprova as orientações económicas da esquerda mas que se escusa a contestar as suas orientações intelectuais e ideológicas. É uma direita que, no fundo, partilha a visão do mundo da esquerda, contentando-se por substituir a solidariedade pela apologia do lucro. É uma direita de esquerda. Em suma, não é de facto uma direita.

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Nota do tradutor: Qualquer semelhança entre a realidade acima descrita e a realidade portuguesa não é mera coincidência; não é pois de admirar que tanta gente que vota no PSD ou no CDS se julgue de direita. Daria um novo ensaio sobre a cegueira… a infelicidade é emporcalharem a verdadeira direita com tal associação.

Entrevista a Filipe Batista e Silva

Entrevista realizada pela redacção do Causa Nacional a Filipe Batista e Silva, redactor do extinto Portal Nacionalista

1. Podes falar-nos um pouco do teu trabalho no movimento nacionalista?

Apesar dos meus sentimentos patrióticos se terem começado a manifestar desde muito cedo, a verdade é que só entrei em contacto com o movimento nacionalista por volta dos 16 anos de idade. Esse primeiro contacto surgiu por intermédio dos canais de conversação na Internet, aonde conheci outros jovens nacionalistas. Com o tempo e através de leituras e novos conhecimentos, fui aprendendo a racionalizar politicamente os meus sentimentos patrióticos. Assim que me tornei num nacionalista convicto, por volta dos meus 18 anos, decidi que tinha que fazer alguma coisa pelo meu país. Queria sentir-me útil à Pátria. Nessa altura, o Partido Nacional Renovador (PNR) tinha acabado de se criar e não havia outros projectos de peso no horizonte. Desde sempre senti que o meu trabalho deveria ser canalizado para um partido político e não para um daqueles 1001 grupúsculos nacionalistas que vão aparecendo e desaparecendo fugazmente, por mais bem intencionados que os seus membros sejam. Integrei-me rapidamente no PNR e desde logo comecei a trabalhar activamente, nomeadamente com camaradas do Porto e de Aveiro. Desde essa altura que o meu activismo tem sido bastante polivalente. Fui fazendo um pouco de tudo: filiação de novos militantes, colagem de cartazes, distribuição de panfletos, colaboração em diversas revistas nacionalistas, tais como a JovemNR, idealização e produção de meios informativos (cartazes e panfletos do PNR), entre outras coisas…

No passado mês de Julho (2004) o Núcleo do Porto escolheu-me para coordenar o núcleo juntamente com o camarada Carlos Branco. Reformulei o núcleo de modo a torná-lo mais eficiente e activo. As metas que estabeleci para o núcleo do Porto são: continuar com campanha nacionalista regular, apresentar uma lista à Câmara Municipal do Porto e realizar conferências abertas à população.

De resto, iniciei em Agosto passado um novo projecto na Internet, o Portal Nacionalista (www.portugalsempre.com), que é um projecto bastante ambicioso e que me está a ocupar alguma parte do meu escasso tempo livre.

2. Como surgiu a ideia do Portal Nacionalista?

O Portal Nacionalista surgiu da necessidade de preencher um vazio que se fazia sentir na Internet portuguesa pela falta de um espaço de referência afecto à área nacionalista. Devo dizer que não detenho o exclusivo da ideia inicial. Tanto o José António como o Sérgio Martins estiveram na base da criação deste projecto e prestaram uma ajuda imprescindível.

O Portal Nacionalista nasceu, portanto, para ser um pólo de referência para todos os nacionalistas portugueses, pois foi concebido para ser uma fonte de notícias sobre a militância nacionalista em Portugal e na Europa. Além disso, contém um arquivo permanentemente em actualização com artigos variados (da ideologia à actualidade política, passando também pela ciência e ecologia), sondagens, reviews culturais, etc. Em duas palavras, o Portal Nacionalista é um espaço de reflexão e acção.

3. Recentemente a redacção do Portal Nacionalista foi a um colóquio da Terra e Povo, em Valência. Quais foram os conhecimentos que extraíste desse contacto internacional? E que benefícios têm esses contactos?

O I Colóquio da Terra e Povo em Valência foi muitíssimo rico do ponto de vista ideológico e metapolítico. Estiveram presentes as sumidades do pensamento identitário actual, tais como Guillaume Faye, Pierre Vial e Pierre Krebs. Escusado será dizer que ouvir as suas comunicações e falar directamente com essas personalidades, absorver o seu conhecimento e a sua experiência foi extremamente enriquecedor.

Uma das coisas que tive a oportunidade de conhecer mais a fundo foi o novo modelo de Europa que os membros e simpatizantes da Terra e Povo preconizam: Uma Europa fortaleza, federada, que se estende territorialmente dos Açores até aos montes Urais, e unida pelo cimento da raça e da civilização comuns, ainda que com autonomias étnicas internas. Essa nova Europa resultaria de um compromisso voluntário de todos os povos europeus, saído da queda da actual ordem estabelecida (falência do demo-liberalismo e do sistema económico mundial). Devo frisar que sou céptico relativamente a alguns dos pontos deste novo modelo Europeu, pois achei irrealistas algumas das soluções ali defendidas. Não obstante, é sempre positivo conhecer as novas teorias que circulam no meio intelectual nacionalista e identitário.

Tenho a felicidade de já ter estado presente em outros encontros internacionais e, por isso, sei bem a importância que têm. A troca de experiências, o convívio e a aprendizagem que resultam destes encontros é, não só extremamente enriquecedora do ponto de vista ideológico, mas também encorajadora do ponto de vista da acção. Os contactos entre nacionalistas de toda a Europa não são inéditos. Já nos anos 20 e 30 eram frequentes os encontros internacionais entre as diversas forças nacionalistas europeias.

4. O futuro será uma política europeia comum e a construção de projectos como a Frente Nacional Europeia?

Assistiremos com certeza a um fortalecimento dos elos entre as várias forças nacionalistas da Europa e não há dúvidas que se intensificarão os encontros e a cooperação entre os diversos movimentos nacionalistas europeus. Havendo vontade e recursos, as “federações” de partidos nacionalistas, como a EuroNat e a recém criada Frente Nacional Europeia, podem vir a desempenhar um papel indispensável junto das instâncias supra-nacionais, e tornarem-se importantes plataformas para a coordenação e gestão de sinergias, nomeadamente com vista a combater em prol de causas comuns, como por exemplo contra a imigração, contra a entrada da Turquia e de Israel na U.E, ou a favor de uma Europa livre dos compromissos com os EUA e China.

Essas plataformas europeias são também, em meu entender, os locais mais indicados para se iniciar a reflexão sobre o futuro modelo de Europa que queremos construir. Nesse plano, muito há ainda por fazer. Deparamo-nos com uma União Europeia extremamente burocratizada, regulada e institucionalizada. É preciso saber o que fazer com as imensas estruturas criadas e os tratados assinados ao longo de todas as últimas décadas. Reformá-los? Eliminar tudo e construir tudo de base? Enfim… Creio que nos temos que debruçar sobre todas essas questões, pois são matérias muito sérias e de grande responsabilidade.

Mas de resto, não creio que os partidos nacionais deixem alguma vez de ser os principais actores da mudança e os principais detentores da voz alternativa em cada um dos seus respectivos países. A cada nação, o seu respectivo movimento nacionalista.

5. Que papel poderá Portugal desempenhar num movimento nacionalista europeu?

Para ser franco, Portugal não tem, actualmente, nada para oferecer ao movimento nacionalista europeu. Em primeiro lugar, porque somos um dos países aonde o movimento nacionalista está mais atrasado e descoordenado. Em segundo lugar, porque somos um pequeno país cuja situação interna, por mais satisfatória que se venha a encontrar no campo do nacionalismo, pouca influência poderá exercer no conjunto do movimento europeu. Não estou com isto a dizer que, no futuro, encontrando-nos mais fortes e organizados, não possamos ter um papel mais activo e meritório no seio do movimento europeu. O nacionalismo português não tem que ser necessariamente passivo. Podemos ser activos em inúmeras áreas, a começar pela actividade intelectual e cultural. Daí a grande necessidade de formarmos os nossos quadros superiores de excelência e de abrirmos portas a um renascimento cultural.

Mas, hoje em dia, e para ser realista e pragmático, o movimento português deve aproveitar ao máximo tudo aquilo que puder receber de movimentos estrangeiros mais desenvolvidos, nomeadamente a nível de formação de quadros médios e superiores e, porque não, até a nível financeiro. Temos que aproveitar o know-how que fortes movimentos nacionalistas europeus, como o francês, o britânico e o alemão foram adquirindo através de décadas de luta e experiência. Mas o maior impulsionamento que o movimento nacionalista português poderá alguma vez receber, será, sem dúvida alguma, a vitória eleitoral de um grande partido nacionalista num grande país europeu.

6. Têm surgido ultimamente novos projectos políticos a nível de Internet. Qual é a tua opinião sobre o aparecimento de tantos projectos da área nacional?

Obviamente positiva! A Internet é uma excelente forma de furarmos o cerco da comunicação social. É um meio exultante que nos permite, em pouco tempo e com modestas quantias monetárias, tornar a voz nacionalista acessível a milhões de portugueses à distância de um clique, e sem margem para censuras (por enquanto...). Dentro de alguns anos, a esmagadora maioria da população portuguesa terá acesso frequente à Internet. É preciso fazer chegar a toda essa gente a nossa voz. É preciso inundar a Internet de nacionalismo. Quantos mais blogues, portais, páginas e foros, melhor!

Felizmente, têm surgido projectos na Internet bastante interessantes e válidos, como é o caso da Causa Nacional, do ECONAC e mesmo do Reconquista. Destacam-se também pela positiva diversos blogues. Mas não poderia deixar de lamentar a descontinuidade de excelentes projectos como o foram o Imigport e o Inconformista... A Internet é, e terá que ser ainda mais, um terreno privilegiado para a divulgação das nossas ideias. E não se pense que tudo se esgota no que já existe. É possível explorar muitíssimo mais este poderoso e imenso meio que é a Internet.

Deixo apenas uma ressalva: A Internet tornou-se um autêntico meio de activismo e militância (designadamente no campo das ideias) que tem cativado centenas de nacionalistas portugueses. Mas é bom que não nos olvidemos que o futuro da nossa causa se joga também (e sobretudo) nas ruas das nossas vilas e cidades. Sem esse trabalho de contacto real com as populações, jamais obteremos a confiança do país. Não se pode cair no grave erro de relegar para segundo plano as outras frentes de acção!

7. O Portal Nacionalista está para durar? O que podemos esperar para o futuro?

Durará enquanto o projecto tiver validade e utilidade e enquanto eu tiver tempo e disponibilidade para lhe dar seguimento. Há muitos projectos que nascem pequenos e pouco ambiciosos mas que vão crescendo e melhorando com o tempo. Este, pelo contrário, nasceu já grande e ambicioso. Por isso, o que mais espero é poder corresponder à ambição inicial do projecto. Se houver mais tempo e imaginação, poderão surgir algumas surpresas. Por enquanto, os visitantes do Portal Nacionalista podem contar com a continuidade do trabalho que até tem sido desenvolvido.

8. E o futuro do nacionalismo em Portugal é risonho?

É meu entender que o que vier acontecer em Portugal em matéria de mudança política dever-se-á mais às circunstâncias internacionais e a macro-acontecimentos do que ao trabalho meritório dos nacionalistas ou sequer ao crescimento da simpatia do povo para com o nacionalismo. A haver uma efectivação do poder nacionalista em Portugal (e na Europa), isso dever-se-á sobretudo a imperativos histórico-acontecimentais inelutáveis que obrigarão a uma inflexão drástica no campo da política e da sociedade. Para poder apresentar esta tese, terei que me alongar um pouco, e fazer um esboço do quadro internacional que se está a desenhar.

Em dado momento da história mundial (nomeadamente ao longo de toda a década de 90), creu-se que o progresso social e económico não iria jamais abrandar; que haveria dinheiro para distribuir pela maior parte dos necessitados; que o sistema capitalista mundializado promovia a distribuição de riqueza e prevenia a ocorrência de graves crises económicas; que poderíamos destruir as identidades culturais, a moral e a família e substituir tudo isso pelos anti-valores progressistas, pelo individualismo e hedonismo; que a medicina iria encontrar respostas para todas as doenças e epidemias; que a ciência encontraria soluções para os abusos cometidos sobre o meio ambiente; que os conflitos bélicos tenderiam a extinguir-se ao ritmo da (hipotética) democratização do terceiro-mundo. Na base lógica destas crenças, continua a avançar a religião onusiana (de ONU) que, desde a sua criação, começou a impor – através dos meios de comunicação social e pela coação intelectual e cultural – uma nova moral baseada no igualitarismo humano, no relativismo cultural e moral e no pacifismo positivista. Esta religião mundial conduziu, entre outras coisas, à imposição, no ocidente, da aceitação social de comportamentos anti-naturais como a homossexualidade e o aborto, bem como ao estímulo da rebelião da mulher contra o homem e à imigração desregulada. Mas mais grave que tudo isso, a religião onusiana tem servido de argumento ao governo mundial – que, para existir, terá fatalmente que ser tirânico, anti-democrático e totalitário, ainda que sob a capa de um pretenso humanismo.

Mas décadas após a “evangelização” à escala global da religião onusiana e da difusão dos liberalismos e socialismos optimistas, hoje, em pleno séc. XXI, o estado do mundo ilustra perfeitamente o desmoronar de cada um daqueles mitos do progresso eterno e da fraternidade mundial. Segundo Guillaume Faye, o mundo está a precipitar-se para uma “convergência de catástrofes”, a ocorrer até 2020. Entre elas encontram-se a económico-financeira, a demográfica e social, a ambiental e a geopolítica. Debrucemo-nos nessas linhas de catástrofe com mais algum pormenor:

- As economias europeia e norte-americana estão em clara recessão, não se prevendo qualquer retoma futura. O desemprego aumenta. As desigualdades entre blocos regionais, estados e classes estão a aprofundar-se. O capitalismo, ao invés de conduzir a uma distribuição de riqueza, conduziu à concentração da propriedade. Graças à quebra da fecundidade, os sistemas de segurança social faliram, e assiste-se a um progressivo desmantelamento dos mecanismos de justiça social, sem nada que os substitua.

- A diluição dos valores, da moral, da família e das identidades culturais e étnicas está a “descalcificar” as sociedades, levando-as à anarquia, à confusão e à incerteza. Por um lado, as baixas taxas de natalidade, a explosão do divórcio, o aumento das famílias mono-parentais, o aborto, o advento das sexualidades alternativas e, por outro, o consumismo, o aumento exponencial das doenças depressivas e dos suicídios, da marginalidade, da toxicodependência, do pequeno crime e da alta corrupção são apenas algumas das consequências da “descalcificação” das sociedades ocidentais que se foi processando paulatinamente ao longo de toda a segunda metade do séc. XX.

- Todos os anos surgem novas epidemias e doenças (tanto no homem como nas espécies animais e vegetais da cadeia alimentar), aparecem novas mutações de vírus e reaparecem vírus multi-resistentes que se davam por extintos. E o que está a acontecer é que a medicina não está a conseguir acompanhar este ritmo alucinante. No que ao ambiente diz respeito, a actual geração já sente os graves efeitos que a gula humana provocou. Sucedem-se catástrofes ambientais (dilúvios, secas, tornados, sismos) a um ritmo até agora nunca assistido pelo homem; o nível das águas do mar aumenta de dia para dia; os rios e os aquíferos secam e/ou estão poluídos; o nosso frágil sistema atmosférico está a abrir brechas. Enfim, o clima está em acelerada mutação, transitando da harmonia para o caos e o extremo. No futuro, poderão existir extensos territórios praticamente inabitáveis (imagine-se as pressões demográficas que tais acontecimentos poderão gerar!), localizados, grosseiramente, entre as latitudes 30º N e 30º S devido ao aquecimento global.

- No plano das relações internacionais, gera-se um clima cada vez mais tenso; as guerras não terminaram, antes multiplicam-se; as fronteiras entre blocos civilizacionais vincam-se. A ascensão da China a super-potência mundial, a proliferação de armas nucleares e o recrudescimento do ódio muçulmano são alguns dos focos mais problemáticos. Por outro lado, desenham-se conflitos civis inter-étnicos, não só no terceiro-mundo como no seio da própria Europa graças à invasão e ocupação do nosso território por massas humanas alógenas que procuram desesperadamente por um “lugar ao sol”. Só em França, estima-se que a comunidade muçulmana atinja 6 a 7 milhões de habitantes, com incrementos anuais na ordem das dezenas de milhar; em Portugal, os residentes não-europeus constituem já mais de 5% da população… O pequeno crime étnico violento que hoje em dia fermenta nas grandes metrópoles europeias é apenas a antecâmara de uma provável guerra entre invasores e invadidos.

Tudo isto pode soar a fatalismo, mas a realidade é que a Europa da primeira metade do séc. XXI não será seguramente um lugar de paz, abundância e desperdício como até aqui tem sido. Perante todos estes problemas, a questão que se coloca é: será que o actual sistema político demo-liberal encerra os mecanismos e as estruturas ideológicas que lhe permitam fazer frente aos desafios que aí vêm? É óbvio que não. O actual sistema está totalmente desgastado e corrompido e já nem sequer conta com a confiança da grande maioria da população (veja-se, por exemplo, as crescentes taxas de abstenção nas eleições por toda a Europa). Há um grande sentimento de descrédito da população relativamente à política e aos políticos actuais. Não vou escondê-lo: A oportunidade dos nacionalistas reside nos erros clamorosos e suicidários das actuais políticas. Quando as crises acima apontadas se começarem a convergir umas com as outras, só restará uma solução: A mudança de paradigma, mudança essa que apenas poderá ser operada por aqueles cuja ideologia melhor se adequar à gestão de tempos de crise e por aqueles que melhor puderem restabelecer a ordem natural das coisas. O nacionalismo, pela sua visão do mundo não-igualitarista, meritocrática, pró-vida e realista, bem como pela sua capacidade de unir os esforços e as vontades nacionais em torno de grandes metas, é a ideologia mais adequada ao mundo de ferro e fogo que nos aguarda impacientemente.

Não sei qual o derradeiro acontecimento que irá levar os nacionalistas ao poder em Portugal – se um acto eleitoral, se a ocupação de um poder vazio, se será uma transição pacífica ou um processo turbulento. Mas isso pouco interessa, pois a nossa chegada ao poder é algo que terá que ser preparada ao longo dos próximos anos. Antes de chegarmos ao poder já teremos que estar destinados a lá estar, e isso, só a história, conjugada com o nosso merecimento, poderá determinar. Mas estou convencido que a história nos seleccionará.

9. Para terminar a entrevista, queres salientar algum aspecto?

Sim. Quero aproveitar esta oportunidade que a Causa Nacional me ofertou para apelar a todos os seus leitores à acção militante e dedicada. Quando eu digo que a história nos vai seleccionar, não estou a dizer que estejamos predestinados e que, por isso, a nossa acção militante é dispensável ou pouco determinante. Espero que não tenham entendido dessa forma! Quem me conhece pessoalmente sabe o quanto eu valorizo a militância e a acção e o quanto meço os meus camaradas pelo tempo e esforço que dedicam à Causa.

Apesar dos factos histórico-acontecimentais futuros irem determinar, em grande parte, a vitória dos nossos ideais, tal não significa que a história, por si só, faça o trabalho que nos cabe a nós fazer. Para aproveitarmos as oportunidades da história é preciso trabalhar muitíssimo!!! Desenganem-se os pregadores e os crentes da facilidade. Nada neste mundo se conquista sem esforço e perseverança. E não basta o esforço no sentido físico. É necessária também uma boa dose de QI estratégico e político, que consiste sobretudo em saber aproveitar os momentos certos para agir, empregando os meios mais eficazes à consecução das metas estabelecidas.

Ao longo dos meus anos de militância, já lidei com muitos nacionalistas. Infelizmente, a grande maioria daqueles que estabelecem um primeiro contacto connosco apresenta inúmeras desculpas – a maioria delas esfarrapadas – para não trabalhar. Ora é a falta de tempo, ora a falta de dinheiro, ora o medo. Todos temos tempo e dinheiro para a Causa se os racionarmos e se não os desperdiçarmos em estupidificantes sessões de cinema e pipocas, em jogos de computador ou programas de TV, em tabaco, em noitadas de cerveja ou discotecas…

Alguém disse que ser militante não tem os seus sacrifícios e não implica algumas restrições? É óbvio que há sacrifícios e restrições. Mas tem também os seus ganhos! E o primeiro de todos é para com a nossa consciência. Ao trabalharmos para Portugal, sentimo-nos úteis e candidatamo-nos a um lugar na História. Afinal de contas, há algo na Terra mais dignificante do que lutar pela nossa terra e por ideais justos? Miserável e desprezível aquele que vive unicamente para satisfazer os seus desejos carnais!

No nacionalismo português, quase tudo está ainda por construir: uma plataforma política forte, núcleos locais activistas, actividade intelectual e doutrinária, promoção cultural, activismo de cidadania, etc. Há lugar para todos!

“Quem falha em preparar-se prepara-se para falhar”, é um pensamento que deve acompanhar todo o nacionalista!

Universalidade do Fascismo

Por António José de Brito (In «Agora», n.º 329, ano VII, 04.11.1967)

Certos espíritos, que não são providos de inteligência em excesso, se ouvem alguns de nós declararem-se fascistas, costumam exibir um sorriso de imensa superioridade, exclamando: «Como é isso possível? O fascismo surgiu na Itália, logo é qualquer coisa de especificamente italiano: aliás o próprio Mussolini o reconheceu». Normalmente, tão inteligentes individualidades não têm conhecimentos suficientes para nos informarem quando e onde o Duce expressou tal opinião. Todavia há excepções e dentre as pessoas que exibem argumentos desta índole umas tantas não deixam de nos fulminar com a frase do discurso de 1923: «o fascismo é um fenómeno tipicamente italiano», com a declaração de 1925: «o fascismo não pode ser imitado», e, sobretudo, com a asserção de 1928: «o fascismo não é artigo de exportação».

Simplesmente o hábito de cavalheiros assim eruditos é esquecerem-se, com notável senso das oportunidades, de integrar as passagens citadas no contexto devido. É que se o fizessem já as afirmações do Duce não poderiam servir de argumento.

Em 1923, Benito Mussolini se considerou o fascismo um fenómeno tipicamente italiano, acrescentou logo em contrapartida: «mas bastantes dos seus princípios são universais». Em 1925, depois de dizer que o fascismo não pode ser imitado, esclareceu imediatamente: «assevero, todavia, que há no fascismo fermentos de vida cujo carácter universal não se pode negar». Quanto ao repto de 1928: «o fascismo não é artigo de exportação», além de não ser da autoria do Duce e não passar de aproveitamento de um lugar comum, repetido em determinados ambientes, foi proferido incidentalmente e tinha mero carácter polémico, consoante observou, muito bem, o Prof. Francesco Ercole. Em resposta a Mons. Seippel, que levantara a questão do Alto Adige, Mussolini replicou: «Que nos importam as lutas de candidaturas que haja na Europa? O fascismo não é artigo de exportação. Se a Europa quer infectar-se mais gravemente ainda das enfermidades de que nós já estamos curados, só nos fará estar mais vigilantes para defender-nos do contágio.»

O sentido das palavras de Mussolini é inequívoco. O fascismo não é coisa que a Itália tenha interesse propriamente em exportar como se tratasse de mercadoria. Quem desejar permanecer agarrado a erros já superados pelo fascismo, que permaneça. Tanto pior para ele. E acentue-se o seguinte: proclamar que a Europa, afastando-se do fascismo, agrava a sua doença é ter a convicção bem segura de que o fascismo é solução universal.

De qualquer modo, perante as interpretações habitualmente dadas a esse passo da resposta a Mons. Seippel, o Duce sentiu-se no dever de as corrigir. Em 1930, após esclarecer «A frase o fascismo não é artigo de exportação não é minha», solenemente garantia: «Aqui vai a rectificação. Hoje digo que o fascismo enquanto ideia, doutrina, realização, é universal; italiano nas suas instituições concretas, universal no espírito». E, em 1934, Mussolini insistia: «Desde 1929 até hoje o fascismo, de fenómeno italiano passou a fenómeno universal.» Era inteiramente verdade isso, na data em que foi dito, depois da subida do nacional-socialismo ao poder, e dos eventos desenrolados noutros países ainda. Fenómeno italiano até 1929, embora doutrina universal, nessa altura passou a ser doutrina e fenómeno universais. Claro que essa universalidade do fenómeno não excluía que os movimentos fascistas de todos os países tivessem características próprias e não se reduzissem a meras cópias.

Por consequência, a exegese do pensamento do Duce, em vez de fornecer um argumento a empregar contra os que, fora da Itália, se proclamam fascistas, vem tão só justificar as suas atitudes. Contudo, isto não é o suficiente para resolver a questão. Se Mussolini considerava o fascismo universal, nada nos garante, todavia, que se não enganasse.

Examinemos, rapidamente, o problema. Uma vez que o fascismo surgiu em Itália isso provará que tem de ser, necessariamente, italiano? Nem por sombras. Raciocinar desse modo seria confundir a ordem lógica com a ordem psicológica e genética. Não há sistema, filosofia, ideologia, que não tenha uma origem bem delimitada no espaço e no tempo. Iremos concluir daí que todas as doutrinas são relativas a circunstâncias dessa ordem e não as podem ultrapassar? A conclusão é impossível, porque, desde que falamos em todas as doutrinas, formulamos, já, uma doutrina de alcance geral e que excedeu o âmbito espácio-temporal da sua formulação, neste momento e nesta terra. Uma doutrina, se é um conjunto de ideias e valorações tem, por definição, o carácter das ideias e dos valores - a intemporalidade, a universalidade. Uma doutrina que se pretenda local e momentânea é afirmação, para todos e em termos ideais, de que não serve para todos, ou seja, é uma contradição em acto. E a doutrina que sustente que só há doutrinas de alcance particular é uma fórmula universal - dirigida a todos - que pretende abranger todas as concepções em acto.

Aliás porque se indignam tanto certos sujeitos contra a tese da universalidade do fascismo, se aceitam, de boa mente, que o absolutismo foi doutrina que se espalhou, simultaneamente ou quase, em diversas nações, e se não os escandaliza o facto do ideário de 1789 ser acatado, ainda agora, em boa parte do mundo, por gente das mais diversas raças, cores e religiões, apesar da sua procedência gaulesa e iluminista.

Quando vemos virtuosos patriotas (indignados contra os que, em Portugal, têm a coragem de se dizer fascistas) manifestarem a sua firme repulsa por tudo o que não for português de gema e castiço, ocorre-nos, sempre, este oportuno e certeiro comentário de Rafael Sanchez Mazas, no periódico Falange Española: «Nem Itália, nem Moscovo, Espanha!, clama uma voz tonitruante. Aplausos e silêncio. A seguir, a voz tonitruante tornou-se suave para expor umas pálidas e vagas teorias tardiamente da Revolução Francesa.»

Claro que há outro caminho, também, para negar a universalidade do fascismo. É contestar que este seja uma doutrina, reduzindo-o a simples agregado de disposições de objectivos restritíssimos, que não ultrapassavam a conjuntura italiana dos anos vinte e que, por isso, se tornava absurdo querer seguir em Portugal, na Bélgica, na Inglaterra, etc. No entanto isto não passaria de falsificação sem nome porque a doutrina fascista, enquanto conjunto de ideias e valorações, existe, incontestavelmente, encontrando-se expressa, sem equívocos, na súmula de Mussolini intitulada «Fascismo» e nas obras dos Gentile, dos Varisco, dos Binder, dos Krieck, dos Panunzio, dos Rocco, dos Coppola e muitos outros cujos trabalhos formam biblioteca.

E, de resto, se não fosse o fascismo uma doutrina universal, como se compreenderia que, por exemplo, em França, antes de 1939, funcionasse um Comité de Vigilance Anti-Fasciste e que, no momento presente, sejam constantes os ataques, as críticas — abjectas na sua maioria —, as propagandas anti-fascistas?

Morto Mussolini, morto Adolfo Hitler, morto Codreanu, morto José António, morto Szalassy, exilado e perseguido Degrelle, proibidos por lei, em toda a parte, partidos totalitários, não havendo mais um único Estado que, com propriedade, se possa considerar fascista, porquê a polémica incessante contra o fascismo, esmagado nos campos de batalha, se este não fosse um ensinamento permanente, dotado de universalidade que ameaça, como remorso perene, os seus inimigos?

Os que proclamam que o fascismo surgiu e morreu na Itália cobrem-no, simultaneamente, de insultos e doestos vivíssimos, com a paixão actual que ninguém dedica a coisas historicamente sepultadas como a conquista das Gálias ou as proezas de Saladino.

Significa isto que eles temem, ainda agora, o fascismo, embora, com fingido desdém, o classifiquem de cadáver. E temendo-o, mesmo depois de derrotado, prestam a melhor das homenagens à validade perene e ao carácter autenticamente universal da doutrina fascista.

Uma visão Tradicionalista

Por Edouard Rix (traduzido por Rodrigo Nunes)

Porque combatemos? Esta é a questão fundamental que todo o soldado político deve colocar. Por contraditório que possa parecer somos tentados a responder que lutamos pela Tradição e pela Revolução. A Tradição

Antes de mais não se deve confundir a Tradição com as tradições, isto é, os usos e costumes.

A Tradição designa o conjunto dos conhecimentos de ordem superior referentes ao Ser e suas manifestações no mundo, tal como nos foram legados pelas gerações anteriores. Ela assenta não no que foi uma vez, num tempo e espaço determinados, mas no que é de sempre. Admite uma variedade de formas – as tradições –, ao mesmo tempo que permanece una na sua essência. Não poderíamos confundi-la com a tradição religiosa única porque ela cobre a totalidade das actividades humanas, políticas, económicas, sociais, etc.

No seguimento de Joseph de Maistre, de Fabre d’Olivet e, sobretudo, de René Guénon, Julius Evola fala de uma «Tradição primordial» que, historicamente, permitiria contemplar a origem concreta de um conjunto de tradições. Tratar-se-ia de uma «tradição hiperbórea», vinda do Extremo Norte, situada no começo do presente ciclo de civilização, em particular das culturas indo-europeias.

Do ponto de vista de Evola «uma civilização ou uma sociedade é tradicional quando é regida por princípios que transcendem o que é meramente humano e individual, quando todas as suas formas vêm do cimo e quando ela está toda orientada para o alto». A civilização tradicional assenta então em fundamentos metafísicos. É caracterizada pelo reconhecimento de uma ordem superior a tudo o que é humano e contingente, pela presença e autoridade de elites que retiram desse plano transcendente os princípios necessários para assegurar uma organização social hierarquicamente articulada, abrindo as vias para um conhecimento superior e conferindo por fim à vida um sentido vertical.

O mundo moderno é quanto a ele o oposto do mundo da Tradição que se personificou em todas as grandes civilizações do Ocidente e Oriente. É-lhe próprio o desconhecimento de tudo o que é superior ao homem, uma dessacralização generalizada, o materialismo, a confusão de castas e raças.

A Revolução

Quanto ao termo Revolução deve ser entendido na sua dupla acepção. No seu sentido actual, o mais correntemente utilizado, Revolução significa mudança brusca e radical no governo de um Estado, a Revolução francesa e a Revolução soviética de 1917 são uma ilustração perfeita.

Não obstante, no seu sentido primeiro, Revolução não significa subversão e revolta mas o contrário, a saber, regresso a um ponto de partida e movimento ordenado em torno de um eixo. É assim que, na linguagem astronómica, a revolução de um astro designa precisamente o movimento que ele realiza gravitando em torno de um centro, o qual contém a força centrífuga, impedindo o astro de se perder no espaço infinito.

Ora nós estamos hoje no fim de um ciclo. Com a regressão das estirpes, a descida progressiva da autoridade de uma a outra das quatro funções tradicionais, o poder passou dos reis sagrados a uma aristocracia guerreira, depois aos comerciantes, por fim às massas. É a idade de ferro, o Kalî-Yuga ariano, idade sombra da decadência, caracterizada pelo reino da quantidade, do número, das massas, e a correria desenfreada à produção, ao lucro, à riqueza material.

Ser pela Revolução hoje, é pretender o regresso da nossa civilização europeia a um ponto de partida original, conforme aos valores e aos princípios da Tradição, o que passa, reivindicando a expressão de Giorgio Freda, pela «desintegração do sistema» actual, antítese do mundo tradicional ao qual aspiramos.