Origens e fundamentos comuns das doutrinas políticas modernas: do liberalismo ao socialismo
Por Alfredo Rocco
Na Itália e fora da Itália, o pensamento moderno tem estado até agora sob o domínio absoluto das doutrinas com origem próxima na reforma protestante, que encontraram o seu desenvolvimento no jusnaturalismo dos séculos XVII e XVIII, vendo-se consagradas nas instituições e nos hábitos das revoluções inglesa, americana e francesa: doutrinas que, sob diversas formas, algumas das quais por vezes contrastantes, caracterizaram todas as teorias políticas e sociais, todos os movimentos políticos e sociais dos séculos XIX e XX até ao Fascismo. Base comum de todas essas doutrinas (…) é a concepção a que chamarei atomística e mecânica da sociedade e do Estado. Segundo essa concepção, a sociedade não é mais que uma soma de indivíduos, uma pluralidade, que apenas ‘solvitur in singularitates’; os objectivos da sociedade são apenas os objectivos do indivíduo (…) Essa concepção atomística é também (…) anti-histórica (…) reduzindo a vida social a uma única geração. (…)
Doutrina atomística, anti-histórica, portanto, e por isso, (…) materialista (…)
Essa base comum explica a íntima conexão lógica que liga todas essas doutrinas políticas (…) Divididas e contrastantes nos métodos, todas essas escolas têm em comum os fins. Todas apontam como fim da sociedade o bem-estar e a felicidade dos indivíduos, considerando indivíduos somente a geração existente. (…)
O liberalismo retinha que o melhor meio de realizar a felicidade do indivíduo era deixá-lo na maior liberdade de desenvolvimento da sua actividade, competindo essencialmente ao Estado a faceta de coordenar as diversas liberdades de modo a permitir a sua coexistência. (…)
Nesse sistema de limites e controles que tomou o nome de regime constitucional, o liberalismo foi moderado (…) reservou as funções de controle aos cidadãos que dessem garantia de seriedade e capacidade, conferindo a uma pequena minoria a qualidade de representante legal do todo (…)
Era evidente que essa moderação iria tornar-se objecto de crítica. Com efeito, era ilógica e contradizia os próprios princípios e fundamentos do liberalismo. (…)
As desigualdades que a natureza e a organização social criaram são tamanhas e tão graves, que a maior parte dos indivíduos abandonados a si próprios não encontrariam a felicidade, antes veriam perpetuadas as condições de miséria e de infelicidade. Para a realização dos seus objectivos, o Estado (…) deve tornar-se activo; (…) Se a sociedade e o Estado são feitos para o bem-estar dos indivíduos e é justo que estes fiscalizem a realização dos seus interesses, não se compreende porque pára o Liberalismo a meio do caminho, distinguindo entre os primeiros e os segundos, limitando a tarefa dos interessados à simples medida de controle. Não, o Estado é constituído por todos os indivíduos; todos devem governá-lo, não apenas uma pequena minoria (…) a soberania reside, portanto, no povo. Mas, se todos os indivíduos têm o direito de governar o Estado, a liberdade não é suficiente; à liberdade deve juntar-se a igualdade. (…) A própria lógica do liberalismo leva pois à democracia. A democracia contém em si própria o liberalismo, mas supera-o, transformando em positiva a acção do Estado, proclamando a igualdade de todos os cidadãos e o dogma da soberania popular. (…)
Posta no caminho das deduções lógicas, a teoria atomística da sociedade e do Estado iria fatalmente dar um passo em frente. O desenvolvimento da grande indústria com a criação de uma massa de trabalhadores, para mais tratados pessimamente (…) colocava de modo formidável o problema operário. As desigualdades sociais (…) tornavam-se graves e gritantes (…) Era natural, portanto, que surgisse a pergunta: “Se o Estado é constituído para satisfazer o bem-estar dos indivíduos, como pode ser tolerado um sistema económico que divide o povo entre uma pequena minoria de aproveitadores, os capitalistas, e uma imensa multidão de desprovidos, os trabalhadores?” É necessário, consequentemente, que o Estado intervenha para criar um sistema económico diferente e mais justo, suprimindo a propriedade privada do capital, assumindo nas suas mãos a produção e a organização desta (…) Daí vem o ‘socialismo’ (…) É claro que o socialismo contém a democracia e supera-a, visto não passar de um desenvolvimento do mesmo conceito fundamental. (…)
Deste modo, liberalismo, democracia, socialismo, surgem, conforme são realmente, não apenas como filiações de idêntica teoria do Estado, mas derivações lógicas de um em relação ao outro. É verdade que o socialismo foi considerado durante muitos anos o sistema económico e político antitético do liberalismo (…) a antítese diz respeito ao ‘método’ e não ao ‘fim’; o fim é comum: o bem-estar dos indivíduos (…)
O socialismo só é anti-liberal no campo da organização da produção e da distribuição da riqueza; no campo moral, intelectual, religioso, é liberal, como é liberal e democrático no campo político.
Na Itália e fora da Itália, o pensamento moderno tem estado até agora sob o domínio absoluto das doutrinas com origem próxima na reforma protestante, que encontraram o seu desenvolvimento no jusnaturalismo dos séculos XVII e XVIII, vendo-se consagradas nas instituições e nos hábitos das revoluções inglesa, americana e francesa: doutrinas que, sob diversas formas, algumas das quais por vezes contrastantes, caracterizaram todas as teorias políticas e sociais, todos os movimentos políticos e sociais dos séculos XIX e XX até ao Fascismo. Base comum de todas essas doutrinas (…) é a concepção a que chamarei atomística e mecânica da sociedade e do Estado. Segundo essa concepção, a sociedade não é mais que uma soma de indivíduos, uma pluralidade, que apenas ‘solvitur in singularitates’; os objectivos da sociedade são apenas os objectivos do indivíduo (…) Essa concepção atomística é também (…) anti-histórica (…) reduzindo a vida social a uma única geração. (…)
Doutrina atomística, anti-histórica, portanto, e por isso, (…) materialista (…)
Essa base comum explica a íntima conexão lógica que liga todas essas doutrinas políticas (…) Divididas e contrastantes nos métodos, todas essas escolas têm em comum os fins. Todas apontam como fim da sociedade o bem-estar e a felicidade dos indivíduos, considerando indivíduos somente a geração existente. (…)
O liberalismo retinha que o melhor meio de realizar a felicidade do indivíduo era deixá-lo na maior liberdade de desenvolvimento da sua actividade, competindo essencialmente ao Estado a faceta de coordenar as diversas liberdades de modo a permitir a sua coexistência. (…)
Nesse sistema de limites e controles que tomou o nome de regime constitucional, o liberalismo foi moderado (…) reservou as funções de controle aos cidadãos que dessem garantia de seriedade e capacidade, conferindo a uma pequena minoria a qualidade de representante legal do todo (…)
Era evidente que essa moderação iria tornar-se objecto de crítica. Com efeito, era ilógica e contradizia os próprios princípios e fundamentos do liberalismo. (…)
As desigualdades que a natureza e a organização social criaram são tamanhas e tão graves, que a maior parte dos indivíduos abandonados a si próprios não encontrariam a felicidade, antes veriam perpetuadas as condições de miséria e de infelicidade. Para a realização dos seus objectivos, o Estado (…) deve tornar-se activo; (…) Se a sociedade e o Estado são feitos para o bem-estar dos indivíduos e é justo que estes fiscalizem a realização dos seus interesses, não se compreende porque pára o Liberalismo a meio do caminho, distinguindo entre os primeiros e os segundos, limitando a tarefa dos interessados à simples medida de controle. Não, o Estado é constituído por todos os indivíduos; todos devem governá-lo, não apenas uma pequena minoria (…) a soberania reside, portanto, no povo. Mas, se todos os indivíduos têm o direito de governar o Estado, a liberdade não é suficiente; à liberdade deve juntar-se a igualdade. (…) A própria lógica do liberalismo leva pois à democracia. A democracia contém em si própria o liberalismo, mas supera-o, transformando em positiva a acção do Estado, proclamando a igualdade de todos os cidadãos e o dogma da soberania popular. (…)
Posta no caminho das deduções lógicas, a teoria atomística da sociedade e do Estado iria fatalmente dar um passo em frente. O desenvolvimento da grande indústria com a criação de uma massa de trabalhadores, para mais tratados pessimamente (…) colocava de modo formidável o problema operário. As desigualdades sociais (…) tornavam-se graves e gritantes (…) Era natural, portanto, que surgisse a pergunta: “Se o Estado é constituído para satisfazer o bem-estar dos indivíduos, como pode ser tolerado um sistema económico que divide o povo entre uma pequena minoria de aproveitadores, os capitalistas, e uma imensa multidão de desprovidos, os trabalhadores?” É necessário, consequentemente, que o Estado intervenha para criar um sistema económico diferente e mais justo, suprimindo a propriedade privada do capital, assumindo nas suas mãos a produção e a organização desta (…) Daí vem o ‘socialismo’ (…) É claro que o socialismo contém a democracia e supera-a, visto não passar de um desenvolvimento do mesmo conceito fundamental. (…)
Deste modo, liberalismo, democracia, socialismo, surgem, conforme são realmente, não apenas como filiações de idêntica teoria do Estado, mas derivações lógicas de um em relação ao outro. É verdade que o socialismo foi considerado durante muitos anos o sistema económico e político antitético do liberalismo (…) a antítese diz respeito ao ‘método’ e não ao ‘fim’; o fim é comum: o bem-estar dos indivíduos (…)
O socialismo só é anti-liberal no campo da organização da produção e da distribuição da riqueza; no campo moral, intelectual, religioso, é liberal, como é liberal e democrático no campo político.
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