sábado, 20 de setembro de 2014

Anatomia da Democracia

James Burnham foi um daqueles homens que fez um trajecto político invulgar. Começou por ser um trotskista e acabou como referência de alguns dos mais importantes autores da direita americana. Homem de indiscutível inteligência ficou sobretudo conhecido pelo livro “The Managerial Revolution” que apesar de alguns méritos, sobretudo a ideia central da emergência de uma “nova classe” reinante, contém também algumas análises manifestamente incorrectas, nomeadamente no que concerne ao processo de formação dessa “nova classe”.
Contundo, a sua mais interessante obra é “The Machiavellians”, uma reflexão sobre a natureza da democracia. No essencial retiramos deste livro de Burnham que a democracia, literalmente entendida, não existiu, não existe e nunca existirá em qualquer sociedade com um mínimo de complexidade, é uma impossibilidade, um mito.

O livro é não só uma excelente introdução ao pensamento dos autores “maquiavélicos” como, em última análise, nas suas conclusões e prescrições, um excelente tributo, mesmo se inconscientemente, ao próprio Nicolau Maquiavel. A análise de Burnham centra-se em três autores, Gaetano Mosca, Vilfredo Pareto e Robert Michels, os “maquiavélicos”, mas Dante ou Sorel não deixam de ser comentados.

Burnham, que escreve em defesa da democracia, acabará por reconhecer que a ideia democrática, enquanto “auto-governo” ou “governo pelo povo”, é ilusória. Defenderá então que a questão se deve centrar não na definição tradicional de democracia mas na ideia de “liberdade”. Assim, o objectivo de uma democracia passa a ser garantir as formas de limitar a autoridade da elite reinante, seja ela qual for, e não o exercício do poder pelo povo.

Para a contextualização do problema democrático ele recorre aos três autores citados.

Gaetano Mosca afirma que o governo pela maioria, que constitui a ideia base da democracia é impossível. Ele defende que em qualquer sociedade, independentemente da sua organização política, existe sempre uma elite, uma minoria, que domina. Fá-lo através de “mitos” que mantêm a sociedade coesa, facilitando a normalização dos hábitos que permitem prever e controlar os comportamentos da maioria dirigida. Quando surge uma crise e a maioria rejeita os mitos, contestando o poder da minoria, esta recorre à fraude de forma a reter esse poder. Se a fraude é exposta e a maioria reage a elite recorre à força como solução última.

Segundo Pareto, se essa revolta da maioria for bem sucedida, em circunstância alguma surgirá um “governo do povo”, ou da maioria, uma democracia se quisermos, o que acontecerá será a simples substituição de elites, a nova elite sairá dos revoltosos, surgirão como “representantes do povo”, mas estabelecer-se-ão sempre como uma nova minoria dominante sobre uma nova maioria. Dos cinco pontos fundamentais que Burnham identifica em Pareto como explicativos da sociedade e das suas mudanças há um que assume particular importância: a ideia de “circulação das elites”. Pareto afirma que os homens não estão igualmente distribuídos na escala social. No topo há uma pequena minoria, existem mais alguns no meio e a esmagadora maioria encontra-se no fundo da escala. A elite é sempre uma minoria, que se divide numa elite que detém o poder e numa elite que o não possui. É o carácter da elite que define a qualidade da sociedade. A elite não é estática e numa sociedade ideal a circulação de elites garantiria que os mais aptos chegassem ao topo, pelas suas capacidades. O problema, afirma Pareto, é que essa sociedade não existe, e dessa forma os princípios de selecção das elites não assentam exclusivamente na competência mas em princípios de selecção diferentes (a hereditariedade, por exemplo). Isto faz com que eventualmente a fraqueza e a mediocridade se instalem no seio das elites e se dê uma mutação social.

Robert Michels, por seu lado, estudando as dinâmicas dos movimentos de massas afirma algo que me parece evidente: nenhum movimento poderá triunfar sem uma organização. Ora como a própria natureza de uma estrutura organizativa implica uma hierarquia, uma definição de autoridade, haverá sempre quem detenha mais poder que a maioria. Esta asserção de Michels é obviamente legitimada ou verificada pela História, logo é uma lógica intransponível, ela é inerente à organização social. Daqui resulta a inevitabilidade da existência de oligarquias em qualquer regime. Os líderes têm de assumir o poder de modo a conseguirem responder aos anseios dos liderados, mas eles fazem-no de acordo com as suas próprias ideias e de acordo com as suas próprias condições. As características mecânicas, técnicas, psicológicas e culturais de uma organização requerem sempre uma liderança, isso implica que os líderes, e nunca as massas, exerçam o poder. Esta tendência não é nem arbitrária nem casual nem temporal, é intrínseca à natureza de qualquer organização, não se lhe pode por isso fugir. Chama-lhe a Lei de Ferro da Oligarquia e torna a ideia de democracia inviável.

A apreciação de alguns excertos do livro permite um conjunto de reflexões sobre a natureza da democracia. Escreve Burnham:

"A existência de uma classe minoritária dominante é, deve ser sublinhado, uma característica universal de todas as sociedades organizadas das quais temos registo. É válida independentemente da forma social ou política – quer a sociedade seja feudal, capitalista, baseada no trabalho escravo, colectivista, monárquica, oligárquica ou democrática, independentemente das leis e constituição, independentemente das convicções e religiões (…) Pela teoria da classe dominante Mosca refuta dois erros generalizados, os quais, embora opostos, são frequentemente assumidos como válidos pelas mesmas pessoas. O primeiro, que vem ao de cima nas discussões sobre tirania e ditaduras e é familiar nos populares ataques actuais aos tiranos contemporâneos, é a de que a sociedade pode ser governada por uma única pessoa. Mas Mosca observa que o homem que está à frente do Estado não seria certamente capaz de governar sem o apoio de uma numerosa classe que assegure o respeito pelas suas ordens e que as aplique, e mesmo que ele possa fazer um indivíduo, ou vários, na classe dominante, sentir o peso do seu poder, ele não pode estar em confronto com a classe como um todo ou dispensá-la. Mesmo se isso fosse possível ele seria forçado a criar uma nova classe, sem o apoio da qual as suas acções estariam completamente paralisadas (…)"

Isto significa que a real distinção entre um regime não democrático e um regime democrático não se faz por aqui, visto que ambos são liderados por uma elite dirigente, isto é, mesmo as chamadas ditaduras não são, em boa verdade, o governo de um homem só.

"O outro erro, típico da teoria democrática, é a ideia de que as massas, a maioria, pode governar-se a si própria. Isto não é verdade nem para os governos que assentam no sufrágio universal (…)"


II.

Prosseguimos com Burnham:

“Do ponto de vista da teoria da classe dominante, cada sociedade é o espelho dessa sua classe. A força de uma nação, a sua fraqueza, a sua cultura, a sua capacidade de resistência, a sua prosperidade, a sua decadência, dependem, numa primeira instância, da natureza da sua classe dirigente. Em particular, a forma de estudar uma nação, de a compreender, de prever o seu rumo, requer antes de tudo e primeiramente uma análise da sua classe dominante. A História política e a ciência política são pois, predominantemente, a História e a ciência das minorias dominantes, a sua origem, desenvolvimento, estrutura e mudanças. Por mais arbitrária que seja a ideia de História como História das elites, a verdade é que todos os historiadores, na prática até historiadores como Tolstoi ou Trotsky, cujas teorias contradizem-no, são compelidos a escrever nesses termos. Se por mais nenhuma razão será porque as grandes massas da humanidade não deixam quaisquer registo na História excepto aquele que é expressado ao serviço, ou pela liderança dos indivíduos notáveis e invulgares (…) Uma classe dominante expressa o seu papel e posição através daquilo que Mosca chama uma fórmula política. Esta fórmula racionaliza e justifica o seu domínio e a estrutura da sociedade sobre a qual exerce esse domínio. A fórmula pode ser um “mito racial”, como na Alemanha Nazi ou neste país em relação aos negros e asiáticos: o domínio é então explicado como a prerrogativa natural da raça superior. Ou pode ser um “direito divino”, como nas teorias elaboradas em relação às monarquias absolutistas do século XVI e XVII ou no imperialismo tradicional japonês: nesse caso o domínio é explicado como decorrendo de uma relação peculiar com o divino, frequentemente pela descendência hereditária (estas fórmulas eram muito comuns em tempos anteriores e não perderam completamente toda a eficácia). Ou, para citar a formula que nos é mais familiar, e a funcionar agora neste país, uma crença na “vontade do povo”: o domínio é então apresentado como sendo legitimado pela vontade ou escolha popular expressada por algum tipo de sufrágio (…) Dentro de todas as classes dominantes Mosca mostra ser possível distinguir dois princípios, como lhe chama, e duas tendências. Estes são, pode ser dito, as leis de desenvolvimento das classes reinantes. A sua força relativa estabelece as mais importantes diferenças entre as várias classes dominantes. O princípio autocrático pode ser distinguido do princípio liberal. Estes dois princípios regulam, primeiramente, o método pelo qual os governantes e os líderes sociais são escolhidos. Em qualquer forma de organização política a autoridade é transmitida de cima para baixo na escala política ou social (o princípio autocrático) ou de baixo para cima (o princípio liberal). Nenhum dos princípios viola a lei geral que estabelece que a sociedade está dividida numa minoria dominante e numa maioria liderada, o principio liberal não significa, independentemente da sua extensão, que as massas governem de facto, mas apenas dá uma forma especifica à eleição da liderança. Raramente, provavelmente nunca, apenas um dos princípios opera numa classe dominante. Estão geralmente misturados, sendo um ou outro prevalecente. Algumas monarquias absolutas ou tiranias mostram a maior aproximação a um princípio autocrático puro, com todas as posições formalmente dependentes de nomeação pelo déspota. Algumas pequenas cidades-estado, como Atenas num certo período da História, chegaram muito perto de um princípio liberal puro, com todos os oficiais escolhido a partir de baixo, mas os votantes eram ao mesmo tempo um grupo restrito. Nos Estados Unidos, como na maioria dos regimes representativos modernos, ambos os princípios estão activos. A maior parte do aparelho burocrático e judicial, especialmente o federal, é uma expressão do princípio autocrático, o Presidente e o Congresso são seleccionados de acordo com o princípio liberal. Cada princípio apresenta na prática vantagens e desvantagens típicas (…) A autocracia parece dotar as sociedades de maior estabilidade e maior durabilidade do que o princípio liberal. Quando a autocracia funciona bem consegue promover a selecção da liderança mais apta de todos os estratos da sociedade para realizar as diferentes tarefas do Estado. Em compensação a autocracia parece incapaz de permitir um completo e livre desenvolvimento de todas as forças sociais – nenhuma autocracia estimulou tanto a vida cultural e intelectual como alguns curtos sistemas liberais, por exemplo na Grécia e Europa ocidental. E na selecção dos líderes pela autocracia, o favoritismo e o preconceito pessoal facilmente tomam o lugar do julgamento objectivo do mérito, enquanto o sistema encoraja o servilismo e a bajulação por parte dos candidatos. O princípio liberal, por outro lado, estimula mais que a autocracia o desenvolvimento de variadas potencialidades sociais, mas ao mesmo tempo de modo algum evita a constituição de elites fechadas no topo, como na autocracia, simplesmente o modo de formação dessa elites é diferente (…) É possível haver, como já existiram, apesar das opiniões comuns em contrário, autocracias que são de tendência democrática e sistemas liberais que são de tendência aristocrática. O facto é que ambas as tendências, democráticas e aristocráticas, estão sempre operativas dentro de qualquer sociedade. A predominância de uma delas dá-se geralmente na sequência de um período de rápida, e frequentemente revolucionária, mudança social (…) Não há sociedades governadas pelo povo, por uma maioria, todas as sociedades, incluindo as ditas democráticas são governadas por uma minoria. A fórmula democrática e a prática do sufrágio não significam o governo do povo. Exercem contudo um particular tipo de influência na selecção dos membros da classe dominante (…) a fórmula democrática e a introdução de mecanismos de sufrágio mais abrangentes enfraqueceu a posição da antiga aristocracia não-democrática e ajudou a ascensão da nova elite capitalista. A disseminação da fórmula democrática e das práticas eleitorais foram um factor importante, até essencial, na subida dos capitalistas à posição dominante na moderna classe dirigente. (…) Se perguntamos quais são os principais efeitos, no nosso tempo, da fórmula democrática e do mecanismo de sufrágio teremos de responder que eles reforçam a tendência internacional para o bonapartismo… um pequeno grupo de lideres, ou um único líder, afirmam representar e falar por todo o povo.”

III.

Para além da constatação (evidente) de que os regimes não democráticos apresentam, tal como os democráticos, virtudes e defeitos, Burnham reconhece então como válida a argumentação dos três teóricos estudados e conclui que a democracia enquanto sistema em que as decisões de governo assentam na vontade e nos termos de uma maioria é uma farsa, uma mentira. Perante isto e pretendendo perseguir o ideário democrático, por motivação ideológica, ele coloca o problema em novos termos, ao invés de olhar para a democracia como o sistema que representa o governo efectivo da maioria ele desloca a análise para o domínio da liberdade e identifica a democracia com qualquer sistema político que permita a existência de oposição. Atentemos nas suas palavras:

“A liberdade significa acima de tudo, como disse, a existência de uma oposição pública à elite governante. A diferença crucial que a liberdade faz numa sociedade encontra-se no facto de que a existência de uma oposição pública é o único controlo efectivo sobre o poder da elite dirigente.”

Mas é o próprio Burnham que reconhece, implicitamente, as limitações deste raciocínio quando, tentando antecipar as críticas dos radicais, sobretudo marxistas (o que é natural visto que ele próprio vem desse campo e portanto teria dele um maior conhecimento) afirma:

“Pode no entanto ser argumentado, como é por anarquistas e por sectores radicais marxistas, que a influência da oposição na restrição do poder da elite é afinal de pouca importância para a não-elite, para as massas. Quando uma oposição existe, isto significa apenas que há uma divisão da classe dominante; se uma outra elite substitui a elite dirigente, não se trata de mais que uma substituição de pessoal na classe dirigente. As massas continuarão a ser os liderados. Porque haveriam de se preocupar? E que importância tem todo o processo para a grande maioria? É verdade que a oposição é apenas uma secção da elite como um todo. É também verdade que quando a oposição toma o poder isto é apenas uma mudança de dirigentes. Os demagogos da oposição dirão que a sua vitória será o triunfo do povo, mas mentem, como os demagogos sempre fazem. Ainda assim não é verdade que a acção da oposição seja indiferente para as massas. Através de um curioso e indirecto caminho, por meio da liberdade, regressamos ao auto-governo, que fomos incapazes de descobrir por um caminho directo. A existência de oposição significa uma divisão na classe dominante. Parte da luta entre secções da classe dominante é puramente interna… quando, no entanto, a oposição se torna pública significa que os conflitos não podem ser resolvidos simplesmente por mudanças internas na elite existente. A oposição é forçada a mover-se para lá dos limites da classe dominante. Confrontada com este ataque, a elite governante, de modo a tentar conservar o seu poder é forçada a fazer algumas concessões e a corrigir pelo menos alguns dos abusos mais flagrantes. É apenas quando existem diversas forças sociais, ou quando não subordinadas a uma mesma força social, que pode existir garantia de liberdade, porque só então existe um sistema de “checks e balances” capaz de controlar o poder…”

Ou seja, colocado perante a impossibilidade da realização democrática, como é vulgarmente compreendida, Burnham redefine a democracia fazendo-a coincidir com uma ideia de liberdade que se materializa pela existência de oposição. Mas essa oposição nunca é realizada pelas massas, pelo povo, é sempre o espelho de interesses de uma outra elite, que de momento não governa. E assim ele chega à mais espúria concepção democrática possível, a que faz cumprir a partidocracia mais medíocre, quando a elite na oposição, procurando substituir a elite dominante, ergue causas que supostamente são do interesse das massas sem nunca as cumprir uma vez chegada ao poder, da mesma forma que a elite dominante, na defesa do seu estatuto, tentará apelar igualmente às massas. Uma e outra, uma vez garantido o poder farão cumprir primeiramente os seus desígnios próprios e as causas da população não passarão assim de objecto útil na luta de minorias que jamais permitem qualquer poder efectivo às populações.

Também é o próprio Burnham que reconhece que os mecanismos democráticos não favorecem necessariamente o triunfo dos mais capazes mas antes dos que melhor utilizam os mecanismos de sufrágio, ou seja, os que melhor recorrem à demagogia que apela ao povo, já que o essencial na democracia é conduzir as massas de forma a que pensem estar perante quem as represente:

“Adicionalmente, a existência na sociedade do mecanismo de sufrágio tende naturalmente a favorecer aqueles indivíduos mais aptos a usá-lo, como numa sociedade onde o poder está fundado directamente na força os mais hábeis lutadores são favorecidos em relação aos restantes.”

Acresce que os modernos regimes democráticos têm cada vez menos oposição real, uma vez que a tendência bipolar nos sistemas democráticos faz coincidir as causas políticas principais dos partidos da área de poder, que partilham a mesma visão do mundo, o que torna cada vez mais acentuada a tendência para falar apenas de substituição de elites, ou pessoas, no poder, sem alteração de mundividências, junte-se a isto as limitações legislativas, quando não a proibição das eventuais oposições não democráticas e ficamos reduzidos a um conceito de liberdade, se definido nos moldes em que Burnham o faz (pela existência de oposição), muito limitado, para não dizer insignificante. Pois que oposição pode ser verdadeiramente tomada a sério quando ela não se pode constituir como oposição ao próprio sistema democrático? E ainda que se pretenda admitir esta conceptualização de democracia como válida ela não invalida que não seja mais que a alternância de diferentes elites no poder servindo-se demagogicamente das massas, em nenhuma circunstância ela representa verdadeiramente qualquer povo ou qualquer maioria e isto é reconhecido pelo autor. Burnham admite que a ideia de liberdade como “oposição” apenas permite uma influência indirecta, e muito moderada, das massas, na direcção da sociedade, porque essa oposição, de facto, está também reservada a uma minoria, tal como são sempre as minorias que ditam o rumo de qualquer regime, democrático ou não.

Embora Burnham parta, desde o princípio do livro, com o objectivo de defender a democracia, reformulando o seu significado, ele acaba por ser pouco convincente nesse ponto específico. O seu argumento da liberdade enquanto possibilidade de oposição está claramente cerceado nas modernas democracias por limitações de vários tipos, desde legais a económicas ou culturais. Por outro lado o autor reconhece a utilidade de manter sobre a população a ideia de que as oposições, mesmo que apenas se representem a si, a interesses privados (e é isso mesmo que são os partidos, associações privadas), ou se resumam a elites que partilham a mesma visão do mundo, são prova da existência de liberdade. No fundo Burnham acaba por defender a existência e o fomento dos mitos de que falava Mosca de forma a garantir a estabilidade social, e no caso democrática. A percepção de “oposição” é, em larga medida, um desses mitos.

“Os líderes devem afirmar, na realidade fomentar, a crença em mitos, ou o tecido social quebrará e eles serão removidos do poder. Em resumo, os líderes, se são científicos, devem mentir. É difícil mentir durante o tempo todo em público mantendo um olhar objectivo face à verdade em privado. Não é apenas difícil, é frequentemente ineficiente, porque as mentiras raramente são convincentes quando contadas com um coração dividido. A tendência é para os mentirosos se iludirem a si próprios, acreditando nos seus próprios mitos. Quando isto acontece já não estão a ser científicos. A sinceridade é comprada ao preço da verdade.”

Isto explica porque conseguem os políticos fazer o elogio da democracia como sistema representativo do povo e defender a liberdade como valor intrínseco do sistema democrático com um ar grave e sério, já chegaram ao estádio em que passaram a acreditar nas suas próprias fábulas, é compreensível, já que o fazem em proveito próprio; é o mesmo Burnham que reconhece a importância para as elites de manterem a ideia de oposição, mesmo se ilusória, de modo a assegurar a estabilidade social e apaziguar as massas.

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