A Nação e o Estado
Por Rodrigo Nunes (publicado no blogue Batalha Final)
No nacionalismo existem aqueles que, rejeitando a génese étnica da nação ou não aceitando a sua coincidência de significado com a definição de nação, procuram encontrar no Estado o mecanismo que agregue todas as pessoas que vivam no interior das mesmas fronteiras físicas em torno a um objectivo, uma missão, uma espécie de ideal nacional. Assim, o Estado seria o elemento essencial para fazer cumprir a nação e teria uma qualquer finalidade definida – a sua razão de existir – pois seria o Estado a confundir-se com a nação e a procurar dar à nação um propósito. Para estes, a existência de populações etnicamente distintas no seio do Estado (que eles equivalem ou fazem coincidir com o conceito de nação) não constitui problema de maior visto que o Estado, como construção institucional, pode suster pela coerção, pela autoridade, pela burocracia, aquilo que nada tem em comum. A ideia de nação subjacente a este nacionalismo é indissociável da ideia de um Estado omnipresente, que impedirá o desagregar da unidade interna e imporá, numa visão quase messiânica de nação, a sua realização moral subjectiva. Obviamente que esta concepção nacionalista é necessariamente totalitária. Para que não fosse seria necessário que todos os cidadãos e comunidades étnicas eventualmente existentes no interior do Estado partilhassem a mesma ideia de propósito nacional. Sucedendo que algumas pessoas pretendessem um caminho diferente ou idealizassem uma sociedade distinta ou que comunidades diferentes não pretendessem conviver, seria sempre necessário ao Estado intervir, impondo a sua autoridade e a sua vontade para a prossecução do seu predeterminado ideal nacional, que é uma construção abstracta e neste caso não emana de uma ordem natural comunitária. Ora como o Estado não é uma entidade autónoma e com vontade própria mas uma construção social, facilmente se conclui que o ideal procurado da nação seria definido de acordo com o que as oligarquias que controlassem o aparelho estatal definissem como sendo o seu próprio ideal em cada momento histórico.
O nacionalismo estaria sempre dependente de quem dispusesse do poder institucional e todos aqueles que se identificassem com a aspiração social vigente, qualquer que fosse, seriam então nacionalistas pois que o nacionalismo seria coincidente com o objectivo societário procurado pelo poder de Estado. Assim, este nacionalismo seria sobretudo um conceito burocrático de base e nunca independente das instituições, precisamente porque o nacionalismo, definido de forma abstracta como um objectivo de certa forma construtivista, com realização prática pelo conceito de Estado, seria sempre coincidente com a concepção nacional dos que detivessem o poder burocrático.
Acontece que Estado e nação não só não são coincidentes como são muitas vezes conceitos antagónicos. O conceito de nação assenta numa base étnica comum, uma nação é uma comunidade que partilha uma língua, uma cultura, uma identidade material (a etnia), uma história comum de luta pela sobrevivência e perpetuação ao longo dos tempos, é uma comunidade que partilha um conjunto de valores que são intuitivos, normas não verbais que resultaram de séculos de identificação e comunhão na luta pela preservação e continuidade da comunidade. Não fazem parte da nação aqueles que apenas falam a mesma língua, ou que apenas professam a mesma religião (muito menos num mundo globalizado), mas aqueles que partilham um processo evolutivo histórico comum e que por isso partilham uma identidade étnica que daí resultou. Essa identidade foi construída ao longo da evolução de um povo pela partilha da mesma luta de sobrevivência e perpetuação, aqueles que se deslocaram para o mesmo espaço e aí construíram a sua civilização, aqueles que passaram pelas mesmas lutas, que estiveram sujeitos às mesmas dificuldades, que construíram um código de comportamento similar, foi todo o trajecto histórico comum da comunidade que se materializou nas características de cada grupo étnico, e a etnia é por isso o espelho da história comum de cada comunidade. Esta é, na realidade, a verdadeira definição de nação e é anterior à existência de Estado, não precisa aliás de Estado pois não está dependente de qualquer instituição jurídica, é um sentimento de pertença natural, de identificação histórica.
É por essa razão que o Iraque é um Estado e não uma nação, é por essa razão que no Iraque grupos com trajectos históricos diferentes, pertencentes a etnias distintas, apenas podem ser mantidos debaixo da autoridade de um Estado pela coacção, é por essa razão que a Bélgica é um Estado e não uma nação, se não fosse pela existência de Estado a Bélgica dividir-se-ia em duas, representando duas comunidades com uma história diferente, e é também por essa razão que Israel era uma nação mesmo sem ter um Estado, pois existia esse trajecto comum, esse sentimento de pertença, essa identidade ancestral, é por isso que os Curdos se sentem parte de uma mesma nação, mesmo separados por diferentes Estados partilham uma identidade étnica. A nação funda-se nessa ancestralidade, nessa comunhão, nessa sensação de pertença que está para além de qualquer instituição jurídica e que surge naturalmente. Uma verdadeira nação não necessita de instituições jurídicas que a mantenham unida pois os seus membros sentem-se parte do mesmo legado e pretendem um futuro comum.
Neste caso, quando existe uma nação que pode sobreviver independentemente de um Estado, significa que existe a partilha de uma identidade completa, que abrange a totalidade dos factores que caracterizam uma nação; a língua, a etnia, um código de valores e comportamentos, um percurso histórico. Aqui o nacionalismo não está dependente de qualquer prévia idealização social ou de qualquer ideal espiritual mal definido, ele ganha forma pela vontade de preservar a identidade da comunidade, garantir a sua sobrevivência, e pela vontade de nesse processo melhorar as condições de vida dos seus membros, na exacta medida em que cumpre o seu papel histórico de sempre. Neste contexto, um Estado será o corolário lógico do funcionamento da nação mas um Estado que não tenha como objectivo a preservação e continuidade futura da identidade integral da nação em todos os seus aspectos não poderá representar um ideal nacionalista, independentemente da visão social perseguida.
Os Estados modernos são muitas vezes uma edificação precária e instável. O caso concreto dos países africanos é um bom exemplo; aí, etnias forçadas a viver debaixo de uma mesma bandeira, representando fronteiras artificiais, guerreiam-se constantemente. Isto sucede porque não fazem parte de uma mesma comunidade histórica, esses Estados acabam sempre por redundar na dominação de um grupo sobre outro ou outros, dominará o que detiver o controlo do Estado, mas no seu seio continuarão a existir tensões entre as diferentes etnias, ou seja, entre as diferentes nações, é essa a razão de muitas guerras sem fim no continente africano, países construídos artificialmente pelos povos colonizadores sem atenção ao sentido de pertença dos povos nativos que muitas vezes não desejam conviver debaixo da mesma autoridade.
O drama do Portugal do presente e do futuro é que está em vias de se transformar num Estado com várias nações no seu seio e a História prova a instabilidade destas realidades sociais, é também por isso que no presente contexto os objectivos do Estado não coincidem com os interesses da nação.
No nacionalismo existem aqueles que, rejeitando a génese étnica da nação ou não aceitando a sua coincidência de significado com a definição de nação, procuram encontrar no Estado o mecanismo que agregue todas as pessoas que vivam no interior das mesmas fronteiras físicas em torno a um objectivo, uma missão, uma espécie de ideal nacional. Assim, o Estado seria o elemento essencial para fazer cumprir a nação e teria uma qualquer finalidade definida – a sua razão de existir – pois seria o Estado a confundir-se com a nação e a procurar dar à nação um propósito. Para estes, a existência de populações etnicamente distintas no seio do Estado (que eles equivalem ou fazem coincidir com o conceito de nação) não constitui problema de maior visto que o Estado, como construção institucional, pode suster pela coerção, pela autoridade, pela burocracia, aquilo que nada tem em comum. A ideia de nação subjacente a este nacionalismo é indissociável da ideia de um Estado omnipresente, que impedirá o desagregar da unidade interna e imporá, numa visão quase messiânica de nação, a sua realização moral subjectiva. Obviamente que esta concepção nacionalista é necessariamente totalitária. Para que não fosse seria necessário que todos os cidadãos e comunidades étnicas eventualmente existentes no interior do Estado partilhassem a mesma ideia de propósito nacional. Sucedendo que algumas pessoas pretendessem um caminho diferente ou idealizassem uma sociedade distinta ou que comunidades diferentes não pretendessem conviver, seria sempre necessário ao Estado intervir, impondo a sua autoridade e a sua vontade para a prossecução do seu predeterminado ideal nacional, que é uma construção abstracta e neste caso não emana de uma ordem natural comunitária. Ora como o Estado não é uma entidade autónoma e com vontade própria mas uma construção social, facilmente se conclui que o ideal procurado da nação seria definido de acordo com o que as oligarquias que controlassem o aparelho estatal definissem como sendo o seu próprio ideal em cada momento histórico.
O nacionalismo estaria sempre dependente de quem dispusesse do poder institucional e todos aqueles que se identificassem com a aspiração social vigente, qualquer que fosse, seriam então nacionalistas pois que o nacionalismo seria coincidente com o objectivo societário procurado pelo poder de Estado. Assim, este nacionalismo seria sobretudo um conceito burocrático de base e nunca independente das instituições, precisamente porque o nacionalismo, definido de forma abstracta como um objectivo de certa forma construtivista, com realização prática pelo conceito de Estado, seria sempre coincidente com a concepção nacional dos que detivessem o poder burocrático.
Acontece que Estado e nação não só não são coincidentes como são muitas vezes conceitos antagónicos. O conceito de nação assenta numa base étnica comum, uma nação é uma comunidade que partilha uma língua, uma cultura, uma identidade material (a etnia), uma história comum de luta pela sobrevivência e perpetuação ao longo dos tempos, é uma comunidade que partilha um conjunto de valores que são intuitivos, normas não verbais que resultaram de séculos de identificação e comunhão na luta pela preservação e continuidade da comunidade. Não fazem parte da nação aqueles que apenas falam a mesma língua, ou que apenas professam a mesma religião (muito menos num mundo globalizado), mas aqueles que partilham um processo evolutivo histórico comum e que por isso partilham uma identidade étnica que daí resultou. Essa identidade foi construída ao longo da evolução de um povo pela partilha da mesma luta de sobrevivência e perpetuação, aqueles que se deslocaram para o mesmo espaço e aí construíram a sua civilização, aqueles que passaram pelas mesmas lutas, que estiveram sujeitos às mesmas dificuldades, que construíram um código de comportamento similar, foi todo o trajecto histórico comum da comunidade que se materializou nas características de cada grupo étnico, e a etnia é por isso o espelho da história comum de cada comunidade. Esta é, na realidade, a verdadeira definição de nação e é anterior à existência de Estado, não precisa aliás de Estado pois não está dependente de qualquer instituição jurídica, é um sentimento de pertença natural, de identificação histórica.
É por essa razão que o Iraque é um Estado e não uma nação, é por essa razão que no Iraque grupos com trajectos históricos diferentes, pertencentes a etnias distintas, apenas podem ser mantidos debaixo da autoridade de um Estado pela coacção, é por essa razão que a Bélgica é um Estado e não uma nação, se não fosse pela existência de Estado a Bélgica dividir-se-ia em duas, representando duas comunidades com uma história diferente, e é também por essa razão que Israel era uma nação mesmo sem ter um Estado, pois existia esse trajecto comum, esse sentimento de pertença, essa identidade ancestral, é por isso que os Curdos se sentem parte de uma mesma nação, mesmo separados por diferentes Estados partilham uma identidade étnica. A nação funda-se nessa ancestralidade, nessa comunhão, nessa sensação de pertença que está para além de qualquer instituição jurídica e que surge naturalmente. Uma verdadeira nação não necessita de instituições jurídicas que a mantenham unida pois os seus membros sentem-se parte do mesmo legado e pretendem um futuro comum.
Neste caso, quando existe uma nação que pode sobreviver independentemente de um Estado, significa que existe a partilha de uma identidade completa, que abrange a totalidade dos factores que caracterizam uma nação; a língua, a etnia, um código de valores e comportamentos, um percurso histórico. Aqui o nacionalismo não está dependente de qualquer prévia idealização social ou de qualquer ideal espiritual mal definido, ele ganha forma pela vontade de preservar a identidade da comunidade, garantir a sua sobrevivência, e pela vontade de nesse processo melhorar as condições de vida dos seus membros, na exacta medida em que cumpre o seu papel histórico de sempre. Neste contexto, um Estado será o corolário lógico do funcionamento da nação mas um Estado que não tenha como objectivo a preservação e continuidade futura da identidade integral da nação em todos os seus aspectos não poderá representar um ideal nacionalista, independentemente da visão social perseguida.
Os Estados modernos são muitas vezes uma edificação precária e instável. O caso concreto dos países africanos é um bom exemplo; aí, etnias forçadas a viver debaixo de uma mesma bandeira, representando fronteiras artificiais, guerreiam-se constantemente. Isto sucede porque não fazem parte de uma mesma comunidade histórica, esses Estados acabam sempre por redundar na dominação de um grupo sobre outro ou outros, dominará o que detiver o controlo do Estado, mas no seu seio continuarão a existir tensões entre as diferentes etnias, ou seja, entre as diferentes nações, é essa a razão de muitas guerras sem fim no continente africano, países construídos artificialmente pelos povos colonizadores sem atenção ao sentido de pertença dos povos nativos que muitas vezes não desejam conviver debaixo da mesma autoridade.
O drama do Portugal do presente e do futuro é que está em vias de se transformar num Estado com várias nações no seu seio e a História prova a instabilidade destas realidades sociais, é também por isso que no presente contexto os objectivos do Estado não coincidem com os interesses da nação.
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