Nós temos na história dos nossos dias dois casos ou dois
períodos de uma política confessada ou deliberada e intencional de pacificação
ou de acalmação, como então se dizia: um em monarquia, outro em república, e,
por desagradável coincidência, ambos também da responsabilidade de almirantes
da nossa gloriosa marinha de guerra. O primeiro seguiu-se ao assassinato do Rei
D. Carlos e do Príncipe D. Luís Filipe e foi conduzido por Ferreira do Amaral
na chefia do Governo; o segundo seguiu-se ao assassinato de Sidónio Pais e por
ele respondeu o Presidente Canto e Castro.
O duplo assassínio do Terreiro do Paço fez terminar
tragicamente a primeira tentativa autoritária da Europa contemporânea, a tímida
ditadura de João Franco. Não se podia duvidar nem da inteligência, nem da
inteireza, nem da honestidade administrativa desse homem e dos seus
colaboradores. Tão-pouco se pode hoje pôr em dúvida o patriotismo, as elevadas
intenções, a clara e larga visão do Monarca. A exacerbação das paixões em que
os republicanos não tiveram de exceder-se aos monárquicos dos partidos não
justifica nada, mas explica tudo — explica sobretudo a subversão dos critérios
morais, que por onde os povos começam a afundar-se na degradação. E resolveu-se
acalmar as forças políticas e subversivas sobreexcitadas, com medidas de
clemência e de esquecimento.
O princípio monárquico pretendeu então contemporizar em
incríveis tolerâncias ideológicas e práticas. E o Conde de Arnoso, considerado
importuno a reclamar justiça nos Pares, ficou como o símbolo da fidelidade ao
Rei e do protesto inútil da consciência moral do País.
De degrau em degrau, pacificando, acalmando, até ao ponto
de deixar glorificar os regicidas, a monarquia descia como possibilidade de
reacção salutar e de governação eficiente. As lutas políticas, os conluios
partidários, a desagregação dos elementos de ordem completaram o descrédito das
instituições. E à sombra da mesma pacificação que pretendia salvar a monarquia
proclamou-se a república. — Anoto, não critico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário